domingo, 30 de dezembro de 2007

O Caminho da Sensatez

Como pastor, tenho observado que muitos cristãos vivem aprisionados e não gozam a liberdade em Cristo. São pessoas movidas por ansiedades, medos e inseguranças. Muitos carregam mágoas, culpas e ressentimentos. Por isso, não conseguem se relacionar livremente, nem com Deus, nem com o próximo. Jovens e adolescentes que são prisioneiros da aparência ou dominados pelas vontades e caprichos dos outros. Movem-se por impulsos sexuais e afetivos levianos e descomprometidos, ou são dependentes de drogas e bebidas.
Somos prisioneiros do passado por causa das nossas lembranças e memórias. E somos prisioneiros do futuro por causa das ansiedades. Em virtude disso, o presente torna-se vazio e cheio de tédio. A falta de significado intensifica a ansiedade e aumenta a vulnerabilidade a toda forma de manipulação emocional e religiosa, o que limita ainda mais a liberdade.

O apóstolo Paulo, grande mestre do ensino sobre a graça de Deus e da liberdade cristã, apresenta na sua carta aos gálatas, capítulo 3:1-5, cinco perguntas que descrevem seu coração perturbado diante do caminho absurdo que o povo de Deus havia tomado. Para ele, a ignorância daquilo que Cristo fez e a insensatez estavam levando muitos a viverem na mentira e na ilusão, ao invés de gozarem da vida abundante e liberta que Cristo lhes havia conquistado. As cinco perguntas de Paulo são um apelo à razão, ao bom senso e à lucidez para que, ao refletirem sobre elas, tais pessoas pudessem retornar ao caminho da liberdade.

A primeira pergunta nos coloca em contato com o evento mais importante da história da fé: “Ó gálatas insensatos! Quem os enfeitiçou? Não foi diante dos seus olhos que Jesus Cristo foi exposto como crucificado?” A cruz e a ressurreição são os eventos que garantem nossa liberdade. É o fato central em torno do qual todos os outros estão subordinados. A revelação do amor de Deus em Cristo Jesus, a forma como o pecado e a culpa foram resolvidos, a dádiva do “Espírito de adoção” que nos liberta do espírito da escravidão, tudo isto é central e fundamental para nos assegurar uma vida plena e verdadeira.A segunda pergunta aponta para a natureza da vida cristã: “Gostaria de saber apenas uma coisa: foi pela prática da lei que vocês receberam o Espírito, ou pela fé naquilo que ouviram?” O Espírito Santo é a presença de Deus em nós e entre nós, e também o que torna a vida cristã possível. Cristo não foi apenas um grande exemplo de vida que deve ser imitado; ele vive em nós pelo poder do Espírito Santo, numa união real que nos possibilita viver pelo poder da ressurreição. Cristãos sensatos permanecem atentos ao que Deus está fazendo em suas vidas e nas experiências que o Espírito proporciona. Por outro lado, crentes insensatos ignoram tudo isso, criam regras para a presença do Espírito Santo, insistem em que o cumprimento de tais normas é imprescindível para termos o Espírito de Deus. Acabam vivendo por espasmos espirituais ou ancorados na espiritualidade dos outros.

A terceira questão que Paulo levanta nos conduz ao caminho da maturidade. “Será que vocês são tão insensatos que, tendo começado pelo Espírito, querem agora se aperfeiçoar pelo esforço próprio?” O apóstolo nos apresenta um caminho que se inicia com a revelação de Cristo e que continua com a presença e o poder do Espírito Santo que derrama sobre nós o amor de Deus, possibilitando-nos a viver a vida cristã. Quanto entramos neste caminho, iniciamos o processo de libertação. O problema é que começamos bem, crendo no amor de Deus e em sua graça maravilhosa; mas depois continuamos usando recursos próprios do legalismo ou moralismo, da manipulação religiosa e da chantagem. Iniciamos com o amor e continuamos com o cinismo e a desconfiança. Paulo está dizendo: “Usem a cabeça!” O bom senso nos preserva de abandonar o Evangelho da graça.

A quarta pergunta conduz ao reconhecimento dos valores que nos asseguram a liberdade: “Será que foi inútil sofrerem tantas coisas?” O que Paulo está dizendo é queuma pessoa sensata tem valores e por isso sofre – mas isto não inibe, nem limita a liberdade, muito pelo contrário. Uma pessoa sensata sabe o que quer e o que é importante para ela, e assim persevera no caminho da liberdade. Por outro lado, aqueles que não têm valores acabam vivendo por impulsos, tornam-se prisioneiros das pressões dos outros. Como cristãos aprendemos que o amor, a paz, o domínio próprio, a misericórdia e a mansidão são valores fundamentais. Aprendemos que o corpo é o templo do Espírito Santo e que nossa mente não é nenhum depósito de lixo. Sabemos que o perdão é melhor que a vingança, e a justiça é o caminho para a santidade. Quando perdemos tais valores, ficamos reféns da propaganda e da ilusão. Perdemos a liberdade.

Por fim, a última pergunta reafirma tudo o que ele tem dito. “Aquele que lhes dá o seu Espírito e opera milagres entre vocês realiza estas coisas pela prática da lei ou pela fé com a qual receberam a palavra?” Quanto mais fiéis formos para com o Evangelho que recebemos, mais livres e verdadeiros seremos. O Evangelho nos revela a obra extraordinária da redenção de Jesus Cristo, nos coloca em comunhão com Deus e nos oferece seu Espírito que realiza os milagres da vida em nós. Esta é a realidade que nos envolve. Trocar esta realidade por outra é viver na insensatez.

O apelo de Paulo é simples e o que ele propõe é óbvio: Usem a cabeça! Pensem! Não sejam estúpidos! Vivam sensatamente! A ausência de liberdade para muitos cristãos hoje é fruto da ignorância para com as verdades redentoras e libertadoras em Cristo, da substituição da Palavra revelada por palavras vazias e sem propostas transformadoras. São milhares de irmãos e irmãs que perderam o juízo e se aventuraram por um caminho de manipulação, chantagem e ignorância espiritual e teológica. Desenvolveram uma espiritualidade tão adoecida quanto a teologia que abraçaram ou que lhes foi ensinada. Só que Paulo nos recomenda a volta para os fundamentos da fé cristã, pois são eles que nos oferecerão o caminho da sensatez e da liberdade.

Ricardo Barbosa de Souza é conferencista e pastor da Igreja Presbiteriana do Planalto/Brasilia

quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

A tirania da felicidade

Vivemos hoje o que se poderia chamar “a tirania da felicidade”. Ser feliz virou uma obrigação. O consenso diz que a felicidade é o objetivo maior da humanidade. Pascal Bruckner, ensaísta francês, analisa que esse fenômeno ocorreu depois de 1968, “quando se fez uma revolução em nome do prazer”. Desde então, a felicidade, ainda segundo ele, é mais do que o dinheiro – “é a nova ostentação dos ricos. Eles estão na mídia e exibem seus carros de luxo, sua vida amorosa extraordinária, seu sucesso social, financeiro ou mesmo moral, quando colaboram com instituições beneficentes. A felicidade virou parte da comédia social.” Swami Adiswarananda, monge da Ordem Ramakrishna e dirigente do Ramakrishna-Vivekananda Center, de Nova Iorque, nos EUA, denuncia nossa sociedade dizendo que “as pessoas podem diferir em suas perspectivas políticas e religiosas, filosofias de vida, perfis psicológicos, cultura e raça, mas todos, sem exceção, querem ser felizes. A felicidade é a meta do pobre e do rico, do erudito e do ignorante, do santo e do pecador, do ateu e do crente, do ascético e do indulgente”. É por causa da felicidade que espirituais oram, trapaceiros trapaceiam, açambarcadores açambarcam, caridosos entregam-se à caridade, bêbados bebem, ladrões roubam e penitentes se arrependem. Almejando felicidade, uns se casam, outros se divorciam; alguns cometem suicídio e outros se tornam homicidas. E, no entanto, a perseguição à felicidade resulta numa tentativa caótica, absurda, infrutífera. Ninguém tem certeza de como alcançá-la. Nenhum ramo de estudo nos trouxe qualquer conhecimento a respeito do segredo da felicidade. A religião enfatiza a salvação e a filosofia, a busca da verdade. Os moralistas falam a respeito do dever e os psicólogos nos pedem que enfrentemos e convivamos com a infelicidade. Os cientistas pouco se importam com nossos sentimentos e os economistas dão valor tão-somente à riqueza. Nenhum deles se dedica ao problema da felicidade. Em busca da felicidade as pessoas freqüentemente se comportam de forma estranha. Alguns ficam felizes quando os outros estão felizes; alguns são felizes quando os outros são infelizes e existem até mesmo aqueles que são felizes quando eles próprios são infelizes. Uns têm esperança de comprar a felicidade; outros há que tentam usurpá-la do próximo. Há aqueles que buscam alcançar a felicidade através do domínio, pelo poder; outros, no apego às coisas. Desta forma, estamos todos, constantemente, perseguindo a felicidade ao invés de sermos felizes. Não admira, portanto, que nasçamos chorando, vivamos nos lamuriando e morramos frustrados. A sociedade contemporânea vive à luz de um único mandamento: “Serás feliz”, que traduzido é “buscarás estar satisfeito com tudo o tempo todo”. Este único mandamento se decompõe em três outros submandamentos. O primeiro é “eliminarás todo sofrimento”: negarás a dor; fugirás do desconforto; evitarás os fracassados; rejeitarás que não proporcionar prazer. O segundo submandamento é “satisfarás todos os teus desejos”: conquistarás o máximo; buscarás o prazer acima de tudo; não passarás vontade; correrás atrás de todos os teus sonhos; não te sacrificarás por nada nem ninguém. O último é “realizarás o pleno potencial”: serás sempre o melhor; viverás sempre apaixonado; terás filhos perfeitos; prosperarás sempre e andarás sobre as águas. Mas basta um pouco de bom senso para concluir que isto não é possível. Então o “mundo de Caras” propõe outro mandamento: “Construirás uma imagem de sucesso”. A felicidade conforme ostentada hoje nas revistas, novelas, talk-shows e programas de auditório é uma farsa. Colocando os pés no chão, encontramos o conceito judaico-cristão da bem-aventurança, a expressão bíblica que mais se aproxima do ideal contemporâneo de felicidade. As palavras usadas na Bíblia foram ashréi, no hebraico, e makarioi, em grego. Ashréi é a primeira palavra dos salmos 1 e 119, e também pronunciada por Jesus nas bem-aventuranças, que os lingüistas gostam de traduzir por “felizes”. André Chouraqui sugere outra compreensão. Explica que “ashréi repete-se 43 vezes na Bíblia hebraica. Esta exclamação (no plural), tem como radical ashar, que não evoca uma vaga felicidade de essência hedonista, mas implica uma retidão (yashar) do homem marchando na estrada sem obstáculos que leva em direção ao reino de Deus. Todos os dicionários etimológicos do hebraico bíblico dão como primeiro sentido ao radical ashar o de marchar; ser feliz é um sentido secundário e tardio. Will Ferguson, em seu romance Ser feliz, denuncia a insensatez de uma sociedade feliz, sem contradições e contrariedades. Conta a história de Edwin De Valu, que edita um best-seller de auto-ajuda e alastra uma praga devastadora pela humanidade: a felicidade. O romance é um primor, que desmascara a mitologia da realização pessoal e advoga a necessidade de aprendermos a conviver com a incompletude e as imperfeições inescapáveis à condição humana. Com um humor ímpar, Ferguson diz que “se, um dia, alguém escrevesse um livro de auto-ajuda que realmente funcionasse, que sanasse nossos infortúnios e eliminasse nossos maus hábitos, os resultados seriam catastróficos”. O primeiro passo na direção da felicidade é o desmascaramento dela mesma conforme proposta pela sociedade contemporânea. Nas palavras de Mário Quintana, a escolha de uma “felicidade realista”. Uma felicidade que não depende do lugar onde se chega, mas sim do jeito como se vai. Uma felicidade que seja capaz de conviver com a imperfeição, com a frustração, com castelos desmoronados, com desejos não satisfeitos. Uma felicidade mais simples e singela, e menos hollywoodiana. A felicidade da fraternidade, da solidariedade, do compromisso ético. A felicidade do romance, da vida em família, mesmo com todas as suas contradições. A felicidade dos amigos ao redor da mesa, do trabalho produtivo e do ócio criativo. A felicidade de aprender, crescer, mudar as coisas e mudar a si mesmo – deixar-se transformar. A felicidade de andar sempre, não desistir nunca, seguir a trilha que Jesus deixou e conduz ao Reino eterno.

Ed René Kivitzé escritor conferencista e pastor da Igreja Batista da Água Branca, em São Paulo

quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Mil dias que abalaram o mundo!

Há cem anos, durante os anos de 1906 a 1908, começou um movimento que mudaria a cara da fé cristã contemporânea. Em um antigo prédio da Rua Azusa, em Los Angeles, nos Estados Unidos, um grupo de crentes passou a ter experiências espirituais semelhantes àquelas narradas no livro de Atos dos Apóstolos. "Gritos estranhos e palavras que nenhum mortal em seu juízo normal pudesse entender.
Foi dessa forma que teve início, em Los Angeles, a mais recente seita religiosa. As reuniões acontecem em um prédio decadente da Rua Azusa, e os devotos de doutrinas estranhas praticam os ritos mais fanáticos, pregam as mais extravagantes teorias e se colocam em um estado de louca euforia quando se entregam ao fervor pessoal." Foi dessa forma que a edição de 18 de abril de 1906 do jornal Los Angeles Times apresentou aqueles acontecimentos. Mas nem mesmo toda a publicidade negativa seria capaz de impedir multidões de comparecerem ali. Durante cerca de mil dias, aquele antigo prédio de dois andares, construído para ser igreja, mas usado antes como estábulo, foi lugar de milagres, curas e operação de dons sobrenaturais, especialmente a glossolalia, o falar em outras línguas, as "línguas estranhas".
Nascia ali o moderno pentecostalismo, um sinal da iminente volta de Cristo, segundo seus participantes. Mas era apenas o começo. Em pouco tempo, logo se espalharia pelo mundo todo, "como fogo na seara" – para usar uma expressão tipicamente pentecostal. Um século depois, esse mover continua tão fascinante quanto foi no princípio.
Porém, ainda fica a pergunta: será que o movimento do século 21 ainda guarda a essência de seus primeiros tempos?
Mesmo após ter se espalhado pelos cinco continentes e mostrado suas virtudes, ainda há quem insista em desqualificar os pentecostais. Para muitos, inclusive o papa Bento XVI, assim como seu antecessor, João Paulo II, eles não passam de "seitas", que preocupam o Vaticano devido ao contínuo fluxo de fiéis católicos em sua direção. Pesquisadores e boa parte da intelligentzia preferem enxergar no movimento uma expressão fanática de gente pobre, que busca em suas manifestações um alívio ante as agruras da vida. Mas como explicar tamanho crescimento, inclusive nas classes sociais mais altas? E que outro movimento expressa melhor os ideais de alegria e dinamismo que Jesus prometeu aos seus seguidores? Mais de 600 milhões de pessoas em todo mundo crêem nisso, 24 milhões apenas no Brasil, segundo números do relatório World Christian Database, uma base de dados compilada a partir de uma pesquisa da organização Pew Fórum on Religion and Public Life, instituição norte-americana especializada em assuntos religiosos, mas que não tem ligação com qualquer igreja. Números que também colocam o Brasil como o maior país pentecostal do mundo e se tornam muito maiores se forem contados também os carismáticos, elevando a porcentagem daqueles que crêem na operação dos dons do Espírito Santo nos dias atuais para 34% da população ou 62 milhões de pessoas. Como nos dias de Azusa, essas pessoas continuam gostando da animação dos cultos em que há mais liberdade e a liturgia é menos formal. Mas engana-se quem pensa que pentecostalismo é apenas barulho e emoção. Em geral, os pentecostais professam o mesmo credo dos outros evangélicos, também chamados tradicionais. A diferença está na ênfase que dão à operação do Espírito Santo. Para essa gente, a verdadeira adoração deve ser dirigida pelo Espírito e levar a uma relação íntima com Deus.
O fiel deve viver uma renovação cotidiana de sua comunhão pessoal com Deus, experimentando o fervor evangelístico e poder sobrenatural para testemunhar. Todos os ingredientes que também foram experimentados pelos discípulos, quando receberam o primeiro derramamento do Espírito há 2 mil anos em Jerusalém, cinqüenta dias após a Páscoa, durante a Festa de Pentecostes – daí o nome do movimento atual. Chuva serôdia – O que aconteceu nos Estados Unidos no começo do século 20 foi uma experiência incrível, mas não única. Desde os primórdios do Cristianismo, tem acontecido o derramar do poder divino (veja o quadro ao longo desta reportagem). Essa busca se intensificou ao longo do século 19, quando europeus e norte-americanos já vinham buscando uma renovação semelhante, de olho na "chuva serôdia" que, segundo as Escrituras, ocorreria antes da volta de Cristo. "Era uma época de profundas transformações sociais, crescimento urbano, pobreza e materialismo. Tudo isso criava muita sede por Deus.
Reavivalistas como Charles Finney e Dwight Moody prepararam o caminho, trazendo o povo de volta às igrejas", explica Leonildo Silveira Campos, professor de Sociologia da Religião na Universidade Metodista de São Paulo e organizador de um fórum sobre os 100 anos do Avivamento da Rua Azusa no Brasil. "A busca da ‘segunda benção’ ou experiência de santificação que, segundo pregavam grupos holiness e metodistas, devia acontecer após o batismo em águas, foi fundamental para gerar o compromisso de buscar a Deus e preparar o caminho para uma ‘terceira benção’: o batismo no Espírito." Na época, surgiram inúmeros relatos de experiências sobrenaturais, com manifestações do falar em línguas. Mas a experiência só foi sistematizada em 1901.
Em outubro do ano anterior, Charles Fox Parham, um pregador metodista da linha da santidade, e sua esposa resolveram descobrir qual era o segredo da "fé apostólica", acompanhada por milagres, curas e sinais, coisas que já não eram tão comuns em seu tempo. Para tanto, abriu uma escola bíblica em Topeka, interior do estado norte-americano do Kansas. Parham alugou barato uma mansão com um magnífico pavimento térreo e um segundo andar feito com materiais de segunda linha. A construção era objeto de pilhéria na cidade e apelidada de "A tolice de Stone", em alusão a seu proprietário original, que não teve dinheiro para terminá-la. Diretor e aluno, ele decidiu que a Bíblia seria o único texto usado e o Espírito Santo, o único professor. Matricularam-se 40 alunos. "Em dezembro, Parham saiu em viagem por três dias, mas orientou os estudantes a lerem Atos dos Apóstolos em busca de algum fator constante sempre que ocorriam os batismos no Espírito Santo.
Quando voltou, encontrou o grupo eufórico: falar em línguas era o denominador comum nas experiências bíblicas", conta o jornalista John L. Sherrill em seu livro Eles falam em outras línguas (Arte Editorial). Durante alguns dias oraram para ter a mesma experiência, mas só quando impuseram as mãos sobre Agnes N. Ozman, na noite do ano novo, tiveram êxito. "Um halo parecia estar sobre sua cabeça e ela começou a falar em um idioma que não compreendíamos, mas achamos que fosse chinês. Ela não foi capaz de falar em inglês por três dias", escreveu mais tarde Parham.
Um mês depois, a maioria dos alunos já havia tido experiência similar. "A novidade era que agora, pela primeira vez, desde os dias da Igreja Primitiva, segundo os pentecostais, o batismo no Espírito foi buscado, e o falar em línguas, esperado como sua evidência inicial", completa Sherrill. Depois de altos e baixos na tentativa de divulgar essas experiências, Parham abriu, em 1905, sua escola em Houston, Texas. Um de seus alunos mais promissores era William Joseph Seymour, um ministro negro, de origem social humilde e cego de um olho. "Por causa das leis de segregação racial daquele tempo, Seymour só tinha autorização para sentar no corredor, ao lado da porta da sala de aula, e ouvir o que Parham e outros lecionavam por uma fresta. Não tinha permissão nem mesmo para orar junto com outros pelo batismo no Espírito. Apesar disso, recordava palavra por palavra tudo que os professores falavam", diz Leonildo Silveira Campos. Em 1906, mesmo sem ter recebido o derramamento do Espírito, Seymour foi convidado a pregar em uma igreja de Los Angeles.
Porém, no dia seguinte após ensinar o batismo e o falar em línguas ali, encontrou o templo trancado com um imenso cadeado na porta. Um casal da igreja não concordou com a grosseria e o convidou para continuar os estudos bíblicos em sua casa, na Rua Bonnie Brae, 214. Ali, durante três dias, ele ensinou sua posição e conduziu orações. No dia 9 de abril, enquanto pregava, as pessoas repentinamente começaram a falar em línguas, rir, clamar e cantar. Seymour teve a mesma experiência somente alguns dias depois, após passar quase uma noite inteira em oração. A notícia correu e logo a casa ficou cheia de interessados e curiosos. Porém, com tanta espontaneidade – brados de "Aleluias", cânticos exaltados, palmas e batidas com os pés –, a residência começou a estremecer. Depois de um "Glória a Deus" mais alto, o assoalho desabou. Ninguém ficou ferido, mas estava claro que precisavam de outro lugar para os cultos. Encontraram o espaço ideal no número 312 da Rua Azusa e rapidamente retomaram as reuniões. “Primícias” – Os fatos que se desenrolaram ao longo dos três anos seguintes foram notáveis, mas também causaram muita controvérsia. Agora conhecida como Missão da Fé Apostólica, a nova igreja não demorou para se tornar a maior da cidade, com cerca de 1,3 mil pessoas freqüentando seus cultos, realizados de forma espontânea na parte térrea do galpão três vezes por dia e sem intervalos.
No andar de cima, juntavam-se na "Sala de espera" aqueles que queriam orar e buscar o poder divino. Na falta de bancos, barris e tábuas serviam como assentos. Postado em uma das extremidades do grande salão térreo, Seymour era o líder, mas raramente pregava. Preferia orar. Os sinais eram freqüentes: pessoas caíam sob o poder de Deus, outras riam sem parar, tinham visões ou cantavam inspiradas pelo Espírito. Embora sem confirmação, um relato mostra a espiritualidade da atmosfera local. Conta-se que Jennie Evans Moore, que se tornaria a esposa de Seymour, chegou a cantar e tocar piano, mesmo sem nunca ter aprendido música, após receber o batismo no Espírito.
Também havia curas e libertações. Dúzias de bengalas, ataduras, muletas e velhos cachimbos eram abandonados junto às paredes do galpão, como testemunho do que se passava ali. "Várias barreiras foram quebradas em Azusa. Ricos e pobres, brancos e negros, gente educada e analfabetos vinham ali para saber o que estava acontecendo. Também apareciam repórteres de todo país. Alguns eram favoráveis, mas muitos não poupavam críticas, chamando tudo aquilo de uma ‘babel de línguas’. Outros se escandalizavam com a mistura de raças, diziam que havia barulho dia e noite, e os freqüentadores pareciam estar loucos, pois ficavam rolando no chão. O fato é que, positivas ou negativas, essas histórias só atraíam mais gente, inclusive, de outros países.
E quem ia para lá tentava levar para sua casa o que encontrava", conta o pastor norte-americano Fredy Berry, organizador das comemorações oficiais do centenário da missão de Azusa. Outro efeito do nascente pentecostalismo foi o ardor evangelístico e missionário. Como rapidamente surgiu um grande número de novos líderes, que disputavam espaço uns com os outros e reuniam seus seguidores, outras igrejas começaram a ser abertas, sempre fugindo da organização controladora e das então perseguidoras denominações tradicionais. É por isso que, desde seus primórdios, o Movimento Pentecostal adquiriu uma característica que até hoje nele predomina: a abundância de pequenos grupos e correntes independentes entre si. Foi a partir de uma delas, a Missão da Avenida Norte, em Chicago, liderada pelo pastor William Durham, que o pentecostalismo finalmente chegaria em terras brasileiras no ano de 1910. Em março daquele ano, chegaria o primeiro missionário pentecostal, o italiano Luigi Francescon. Depois de fundar igrejas para imigrantes como ele na Pensilvânia e Califórnia, Francescon esteve primeiro em Buenos Aires, na Argentina, e de lá veio para São Paulo. Após dois meses de trabalho e quase nenhum resultado, partiu para Santo Antônio da Platina (PR). Nessa pequena cidade, 11 pessoas aceitaram a fé avivada e receberam o batismo no Espírito. "Eram as primícias da obra de Deus no Brasil", como descreveu o próprio Francescon mais tarde. Confiante, ele voltou para São Paulo um mês mais tarde e começou um trabalho entre presbiterianos, batistas, metodistas e católicos. Dessa vez, 20 pessoas aceitaram a mensagem, receberam curas e tiveram a experiência pentecostal. Nascia a primeira igreja pentecostal brasileira, a Congregação Cristã no Brasil, denominação que atualmente conta com 2 milhões de adeptos, segundo suas contas. Despojamento – No mesmo ano e também vindos de Chicago, chegariam outros dois missionários que plantariam de vez a semente do pentecostalismo no país. Os suecos Gunnar Vingren e Daniel Berg haviam emigrado da Escandinávia para os EUA fugindo das difíceis condições de vida em seu país. Lá, além da experiência pentecostal, tiveram uma revelação divina. Em uma reunião de oração, um obreiro disse a eles que o Senhor lhe mostrara que deveriam anunciar a mensagem em um lugar chamado Pará, do qual nunca tinham ouvido falar. A dupla debruçou-se sobre mapas e descobriu que o lugar ficava no norte do Brasil. Convencidos de que a ordem viera de Deus, Berg e Vingren venderam o que tinham, receberam ofertas e compraram uma passagem de terceira classe num navio de cabotagem. Em novembro de 1910, desembarcaram em Belém do Pará, com a cara, a coragem e muita fé. Conversando com marinheiros americanos, descobriram uma Igreja Batista que poderia lhes abrigar e foram morar no porão do templo. Logo, começaram a realizar cultos. Tudo parecia transcorrer bem, até que, em 1911, as reuniões se transformaram em um foco pentecostal, com manifestações ruidosas da presença divina. Os dois acabaram expulsos e, com outras 17 pessoas, iniciaram a Missão da Fé Apostólica. Em 1917, a organização passou a se chamar oficialmente Assembléia de Deus. Hoje, 96 anos depois, é a maior igreja protestante do país, com quase 9 milhões de membros. Com celebrações mais despojadas e maior valorização do carisma do que do saber teológico, todas as pessoas tinham vez no pentecostalismo, independente do sexo. "Infelizmente, a história oficial costuma se esquecer das grandes heroínas do início do movimento. Aliás, essa foi uma de suas características mais marcantes: nele, as mulheres tinham mais liberdade e desempenharam papéis importantíssimos na liderança dos trabalhos", destaca o sociólogo Gedeon de Alencar, membro da Assembléia de Deus Betesda e diretor do Instituto Cristão de Estudos Contemporâneos (Icec). A esposa do próprio Seymour foi um exemplo. Jennie Evans Moore formava com o marido uma autêntica equipe ministerial, pregando com freqüência nas reuniões. Também coube a ela pastorear a missão por nove anos, após a morte de Seymour. Além de Jennie, muitas outras experimentaram o batismo no Espírito e se dispuseram a fazer, mesmo sozinhas, a obra. Aimee Semple McPherson começou poucos anos depois a Igreja do Evangelho Quadrangular. Kathryn Kuhlman se tornaria, um pouco mais tarde, uma das mais bem-sucedidas evangelistas do século. "A mesma coisa podemos observar com Frida, a esposa de Gunnar Vingren. Como ele mesmo admitiu, ela sustentava a igreja junto com os obreiros, tomando a frente de vários trabalhos evangelísticos, como cultos ao ar livre e na publicação do jornal Boa Semente. Na foto oficial da Convenção de 1930, ela aparece sozinha no meio de dez homens", cita Alencar. Avivamento em ondas – Apesar de ser o grande marco do moderno movimento pentecostal, o avivamento da Rua Azusa não foi o único. Nos últimos 100 anos, diversos outros acontecimentos ou "ondas", como preferem os estudiosos do tema, deram novos impulsos à obra do Espírito. Impulsos que tornaram a influência do pentecostalismo cada vez mais ampla na cristandade. "Alguns falam em três ondas, mas eu prefiro cinco. Depois da primeira, a do começo do pentecostalismo, houve uma renovação no pós-Guerra, por volta de 1948, dentro de igrejas pentecostais como Assembléias de Deus e Quadrangular. Considero esse mover como a segunda onda", explica o missionário e escritor John Walker, autor de A Igreja do século 20: a história que não foi contada (Editora Worship). A terceira onda, segundo Walker, seria quase paralela à segunda. "Foi a da cura divina. Em diversas nações dos anos 50, surgiram pregadores que enfatizavam os milagres em seus ministérios. Nessa época, surgiram nomes como William Branham, Oral Roberts, T. L. Osborn e Paul Cain." Foi também neste período que surgiram no Brasil as grandes denominações avivadas, que igualmente davam muita ênfase aos milagres e reuniam multidões em templos improvisados, algumas vezes até em tendas de circo. Uma delas era a Cruzada Nacional de Evangelização, que se tornou a Igreja do Evangelho Quadrangular, iniciada por missionários norte-americanos. Ainda apareceram as primeiras igrejas pentecostais implantadas por brasileiros: a Deus é Amor, liderada pelo missionário David Miranda, e O Brasil para Cristo, do pastor Manoel de Mello. Ambas, diga-se de passagem, com forte penetração nas classes populares, o que acabou estigmatizando o pentecostalismo como fé dos pobres, preconceito que só começaria a ruir décadas depois, com a adesão das classes média e alta. A quarta onda, ou como preferem outros estudiosos, segunda, foi o movimento carismático dos anos 60 e 70. Depois de uma aversão quase que total aos pentecostais do começo do século, agora diversas igrejas chamadas de históricas recebem a mensagem do avivamento. Denominações episcopais, metodistas, presbiterianas e batistas absorvem a mensagem, adaptando-a a seu contexto, teologia e liturgia. "A grande diferença foi que as pessoas que aceitavam essa mensagem já não saíam de suas igrejas. Permaneciam nelas e ajudavam em sua renovação. Ou eram expulsas e continuavam movimentos paralelos a elas, com viés carismático", diz o pastor batista Enéas Tognini. Ele mesmo se viu no meio de uma situação dessas. Um dos introdutores da mensagem do batismo no Espírito e dos dons espirituais entre os batistas brasileiros, presenciou a expulsão de 32 igrejas da Convenção Batista Brasileira (CBB) em 1965. Junto com outros pastores, Tognini fundou, na época, a Convenção Batista Nacional (CBN). Também nesse período, outras igrejas desdobraram-se em novos grupos, como a Presbiteriana Renovada, a Metodista Wesleyana e a Aliança da Igreja Congregacional. O avivamento atingiu até a Igreja Católica, que viu surgir em uma universidade norte-americana nos anos 60 a Renovação Católica Carismática, movimento que encontrou seu mais forte eco no Brasil, a maior nação católica do globo. A superação do ranço e do preconceito contra os pentecostais permitiu que, a partir dos anos 80, surgisse a última onda avivalista no meio do evangelicalismo norte-americano, ou seja, os protestantes mais tradicionais. Enfatizando menos o batismo no Espírito e mais os dons, igrejas como o Movimento Vineyard fizeram ressurgir termos que andavam meio fora de moda como a busca por sinais e maravilhas e o evangelismo de poder. Ao mesmo tempo, no Brasil e em países do Terceiro Mundo, outro fenômeno ganhava força: o neopentecostalismo. Inspirado na teologia da prosperidade – aquela que assegura ao crente toda sorte de bênçãos nesta vida, ao contrário do pentecostalismo clássico, que prefere valorizar o desprendimento dos bens materiais e tem a fé focada na vida porvir –, causou forte impacto social. Na linha de frente, denominações como a Igreja Universal do Reino de Deus, a Igreja Internacional da Graça de Deus e a Igreja Renascer em Cristo mudaram comportamentos e atraíram multidões de seguidores e de críticos. Volta às origens - É ainda difícil precisar a grande influência do pentecostalismo em todo o mundo. A começar pelo seu tamanho hoje. O Pew Fórum, por exemplo, cuja pesquisa foi citada no começo desta reportagem, ouviu fiéis em países como Brasil, Estados Unidos, Chile, Nigéria, África do Sul, Índia, Filipinas e Coréia do Sul. Por mais que a quantidade de crentes já seja impressionante, ainda pode estar bem aquém da realidade. Os dados brasileiros, para se entender melhor, foram tabulados com projeção no último senso do IBGE em 2000. Atualizados, ultrapassariam os 28 milhões. Outro caso é o dos Estados Unidos, maior país protestante do mundo, onde cerca de 5,8 milhões de pessoas seriam pentecostais. Por lá, no entanto, fala-se no dobro, 12 milhões – ou 5% dos norte-americanos. A mesma coisa acontece na Coréia do Sul, país em que está a maior igreja evangélica do planeta, a Igreja do Evangelho Pleno de Seul, liderada pelo pastor David Yonggi Cho, que também é pentecostal. Só ela tem 750 mil membros, quase os 1 milhão de coreanos que a pesquisa classificou como pentecostais. Ao que parece, o instituto desconsiderou no país as tantas denominações clássicas que se pentecostalizaram e não mudaram de nome. Por outro lado, o levantamento não conta com a China, nação onde se acredita que os evangélicos já sejam 100 milhões – 75% dos quais, pentecostais. Mesmo que grandiosos, esses números são insuficientes para dar o real tamanho do movimento pentecostal. "A questão é que o pentecostalismo é um movimento de vanguarda e representou uma renovação constante do Cristianismo no último século. Foi nesse mover que se despertou o compromisso com a evangelização e com missões, estabeleceu-se a fé como algo palpável e não teórico ou abstrato, e buscou-se com expectativa o operar de Deus. Jesus tornou-se real no dia-a-dia da pessoa, houve renovação da adoração e uma nova comunhão entre os fiéis. Sem falar na confirmação da autoridade da Bíblia, como um livro literal", citam os teólogos William e Robert Menzies em seu livro No poder do Espírito (Editora Vida). Até mesmo a imprensa evangélica ganhou novo fôlego, com o surgimento desde o início do movimento de publicações como o jornal The Apostolic Faith, publicado pela Missão da Rua Azusa, e que, em seus tempos áureos promoveu unidade com seus 50 mil exemplares distribuídos em todo mundo. "Os pentecostais pregam uma fé antimodernista, pois reconhecem que os mais importantes poderes disponibilizados sobre nossas vidas repousam não em nossas mãos, mas nas de Deus. E isso, por si só, já traz o reavivamento. Mas também têm espontaneidade, liberdade em sua adoração e o sacerdócio de todos os crentes, coisas que precisamos novamente adquirir", escreveu o professor Chris Armstrong em artigo para a revista Christianity Today, em setembro do ano passado.
Todos os méritos históricos, por mais visíveis que sejam, entretanto, não podem encobrir os erros e, claro muitas distorções que surgiram nesses anos na mensagem pentecostal. Ou então, o movimento corre sério risco de se tornar só emoção, sem frutos, como aconteceu no passado com o próprio avivamento da Rua Azusa, que perdeu força depois que William Seymour começou novamente a sofrer com o racismo e houve sérias divisões por questões menores. "Todas as pesquisas mostram um crescimento espantoso dos pentecostais. Mas o que vemos hoje é muito joio no meio do trigo. Isso, porque se enfatizam muito os grandes milagres, as grandes maravilhas, o grande número de conversões, as grandes bênçãos e o grande poder. Mas se esquecem as grandes lutas, a grande santidade e o grande compromisso com Deus e sua justiça que o crente precisa ter. Afinal, não é justamente para trazer todas essas coisas que o Espírito Santo foi derramado?", questiona o escritor e teólogo assembleiano Antônio Gilberto. Para ele, um dos mais respeitados educadores evangélicos do Brasil, é necessário que tanto pentecostais quanto carismáticos se voltem imediatamente para a mensagem pregada naqueles mil dias do avivamento da Rua Azusa. Lá, onde ficava o velho galpão, existe agora apenas uma placa comemorativa do evento. Porém, sua mensagem não poderia ser mais atual, como diz o seguinte trecho: "(...) o reavivamento da Rua Azusa prega uma mensagem de salvação, santidade e poder (...) e muitos foram comissionados para levar essa mensagem do Pentecostes ao mundo".

Como rogavam Seymour e seus colegas, é o caso de os pentecostais do século 21 dizerem novamente: "Faça-o novamente, Senhor. Como fizeste no tempo dos apóstolos, faça hoje de novo!". (Colaboraram Jussara Teixeira, Mariana de Salve e Moisés Filho). Quadro: Apesar do movimento pentecostal do começo do século 20 ter redescoberto os dons espirituais, incentivando os cristãos a buscarem o batismo no Espírito Santo com a evidência do falar em línguas e trazendo novo fervor evangelístico, a verdade é que manifestações pentecostais ocorreram durante toda a história da Igreja.

Às vezes, surgidas ao acaso; em outras, como parte de avivamentos. Confira os principais momentos:

33 d. C. – Em um cenáculo na cidade de Jerusalém, os apóstolos e outros discípulos, em um total de 120 pessoas, recebem o derramamento do Espírito Santo, acompanhado de fenômenos que lembravam o vento e o fogo, além da manifestação de línguas. Após explicação e pregação de Pedro, 3 mil se convertem. Como aconteceu durante a Festa das Colheitas, cinqüenta dias depois da Páscoa, o evento recebe o nome de Pentecostes.
156 – Preocupados com a decadência espiritual da Igreja, Montano e as profetisas Prisca e Maximilla lideram um movimento pela restauração da manifestação do Espírito Santo, que se espalha pelo norte da África, Ásia Menor e partes da Europa. Mesmo com o apoio de Tertuliano e Irineu, os montanistas acabam declarados heréticos.
387 – Agostinho, bispo de Hipona, no norte da África, e um dos mais notáveis pensadores de sua época, escreve: "Fazemos ainda como os apóstolos, que impuseram as mãos sobre os samaritanos e pediram o batismo no Espírito Santo. Esperamos que os convertidos falem novas línguas”.
1173 – Na Europa medieval, o mercador Pedro Valdo e seus seguidores ensinam o sacerdócio de todos os cristãos e rejeitam as relíquias e tradições, pregando a Bíblia às pessoas em suas próprias línguas. Há relatos de manifestações de glossolalia e atos sobrenaturais entre eles.
1530 – Enquanto a Reforma causa rebuliço em solo europeu, os huguenotes reconhecem a necessidade dos dons espirituais. "Nas montanhas de Cevènes, homens e mulheres caíam em êxtase, ocasião em que falavam em francês sobre a Bíblia, apesar de só conhecerem seu próprio dialeto", relatou o escritor E. H. Broadbenat.
1630 – George Fox cria a Sociedade dos Amigos e defende o relacionamento pessoal com Deus e a direção do Espírito Santo na vida do crente. Ridicularizados com o nome quakers ou "tremedores" pelos anglicanos, eles relatam que recebiam com freqüência o derramamento do Espírito e falavam em línguas.
1735 – Choro compulsivo, tremores, quedas e arrependimento de multidões marcam as reuniões de homens como Jonathan Edwards, John Wesley e George Whitefield. Wesley lidera um avivamento que dá origem ao metodismo.
1830 – O evangelista Charles G. Finney começa a promover reuniões que produzem avivamentos notáveis em diversas cidades do interior dos Estados Unidos. O segredo para um trabalho bem sucedido, segundo ele, era o poder que havia recebido no batismo com o Espírito Santo.
1834 – Na Inglaterra, um jovem e elegante ministro presbiteriano chamado Edward Irving ensina o batismo com o Espírito Santo e a prática de dons, como a glossolalia.
1855 – Dentro da Rússia czarista, manifestações pentecostais são noticiadas na Igreja Ortodoxa Grega.
1864 – Pioneira das cruzadas de salvação e cura divina, a norte-americana Mary Woodworth Etter declara que também fora batizada com o Espírito Santo. Em suas reuniões, pessoas entravam em êxtase ou caíam no chão, relatando depois que experimentaram "profunda transformação".
1873 – Seguindo a tradição avivalista, Dwight L. Moody afirma que foi batizado com o Espírito Santo. Em suas campanhas na Inglaterra, surgem manifestações pentecostais. "Quando cheguei às salas da Associação Cristã de Moços, em Sunderland", escreveu Robert Boyd, "encontrei a reunião em fogo. Jovens falavam em línguas e profetizavam depois que Moody pregou naquela tarde".
1890 – Demos Shakarian, fundador da Full Gospel Business Man Fellowship (entidade presente em diversos países, inclusive o Brasil, e que reúne profissionais liberais e empresários evangélicos), relata uma série de experiências espirituais, especialmente profecias, entre camponeses na Armênia. Sua própria família, ao imigrar para os Estados Unidos, é exortada profeticamente a fixar residência na costa oeste.
1891 – Movimentos de santidade incentivam seus membros a buscarem uma "segunda experiência com Deus". Daniel Awrey e sua esposa descobrem uma terceira e falam em línguas.
1901 – Tem início o pentecostalismo moderno, quando na vigília da noite de ano novo, a estudante Agnes N. Ozman recebe oração com imposição de mãos de Charles Parham e alunos da Escola Bíblica Betel, em Topeka, Kansas, EUA.
1904 – Uma série de avivamentos acontecem em várias partes da Europa, especialmente no País de Gales. Naquela nação, Evan Roberts, um ex-mineiro, proclama um despertamento do Espírito marcado por manifestações do poder de Deus.
1906 – Em um galpão, no número 312 da Rua Azusa, em Los Angeles, EUA, o pentecostalismo explode e se espalha por todo o mundo.
1910 – O operário italiano Luigi Francescon, que havia saído de Chicago, nos EUA, no ano anterior, chega ao Brasil em março e começa a pregar a mensagem pentecostal em São Paulo e Santo Antônio da Platina. Seis meses depois, chegam a Belém os suecos Gunnar Vingren e Daniel Berg, que criam a Assembléia de Deus. O movimento pentecostal começa no país.
1950 – O advento de pregadores de curas e milagres provocam uma nova onda pentecostal no Brasil. Surgem em São Paulo as igrejas Quadrangular, O Brasil Para Cristo e Deus é Amor.
1960 – Vários membros de igrejas episcopais, presbiterianas, metodistas e luteranas nos EUA recebem a experiência do batismo com o Espírito Santo. Diferente de outros tempos, em vez de deixar a denominação, permanecem: surge a Renovação Carismática. Em 1966, o pentecostalismo chega também ao catolicismo.
1965 – No Brasil, 32 igrejas batistas são excluídas da Convenção Batista Brasileira por aceitarem o batismo e os dons carismáticos do Espírito Santo. Sob a liderança de Enéas Tognini, é criada a Convenção Batista Nacional.
1980 – A Teologia da Prosperidade começa a ganhar força no Brasil com o crescimento de igrejas como a Universal do Reino de Deus.
1985 – O estudioso norte-americano Peter Wagner consagra o termo "Terceira Onda", em referência à aceitação de um trabalhar do Espírito entre evangélicos tradicionais. A ênfase, porém, não é mais no batismo com o Espírito, mas no evangelismo de poder e no uso de dons nas celebrações.
2007 – Pentecostais e carismáticos já são mais de meio bilhão em todo mundo. O Brasil é apontado como o maior país pentecostal do mundo, com 24 milhões de crentes.

Marcos Stefano

domingo, 4 de novembro de 2007

O filho do monstro

Criança é página em branco a ser escrita.“Há momentos em que silenciar é mentir”, pensou o filósofo e escritor espanhol Miguel de Unamuno. Vejo a criança. Não posso silenciar. É um menino de seis anos, arguto e de olhos brilhantes, filho do temível matador de taxistas, que escolheu vítimas em Minas Gerais, Mato Grosso e São Paulo – um recorde brasileiro de casos de latrocínio, ato de matar para roubar. Em companhia da mãe, o garoto veio à redação onde trabalho. A mulher ia dar uma entrevista no estúdio da TV. O menino ficou esperando. “Quem é você?”, quis saber uma colega. A resposta, rápida e fulminante: “Ué, você não sabe? Sou filho do Anestor, o serial killer, matador de taxistas”. Mais perguntas, mais respostas: “Não moro em lugar certo, porque meu pai quer matar a minha mãe e a gente vive fugindo”.Segundo a mãe, é difícil mantê-lo em alguma escola. “Quando ficam sabendo quem é o pai, logo fazem protesto dizendo que não querem seus filhos perto de um menino assim”. Surge, assim, uma figura penal nova em Direito: extensão da punibilidade. As restrições a um indesejável na sociedade seriam extensivas a seus familiares e descendentes, mesmo inocentes, como esse menino, que já viveu a realidade brutal de um adulto infeliz.A questão, insofismável, é que o menino tem como pouco patrimônio a ingenuidade, que perde precocemente. Anestor, o pai, foi repetidamente definido como “monstro”, porque, fria e implacavelmente, matou indefesos motoristas de táxi com certeiros tiros na nuca. O menino, filho do monstro, como exige entender nossa consciência – lampejos divinos –, nada tem a ver com isso. Quem não concordar, que vire a primeira caçamba de pedras.Crianças assim eu vejo todas as sextas-feiras. Elas entram em vários ônibus que partirão em direção aos presídios do Estado de São Paulo. Vejo as mulheres, muitas crianças, mistura de olhares ansiosos, todos ansiosamente esperados no dia de visita, como presente, como tudo. E até como uma tristeza. Muitos evitam esse encontro. Dizem que o pai morreu. E o menino, ou menina, consegue descobrir, anos depois, a verdade oculta. Partem desesperados para a localização, um grande momento feliz da vida. Criança fazendo visita no presídio tende a ver os pais como modelo, enquanto os outros, que os trancafiaram e os mantêm ali, é que “não prestam”. A teóloga Maria Clara Bingemer, inspirada em parte do Salmo 104, encontrou luz: apenas o sopro do Espírito de Deus “tem força e poder para transformar o deserto em jardim, os ossos secos em militante exército, fazer a virgem e a estéril conceberem e transformar as infidelidades de um povo idólatra e pecador em matéria-prima para a salvação de todos os povos”.Mas o filho do “monstro” é irmão de todas as crianças do mundo, com seus movimentos e fantasias. Ou um inocente, mas culpado, sem ter feito nada, condenado ao que saberemos somente no futuro?
Percival de Souza é escritor, jornalista e membro do Conselho Diretor da Faculdade de Teologia da Igreja Metodista.

segunda-feira, 29 de outubro de 2007

O longo caminho da maturidade

Tenho me perguntado com relativa freqüência: por que as pessoas são tão resistentes ao amadurecimento? Por que tem se tornado tão raro ver homens e mulheres crescendo emocionalmente e espiritualmente? Convivo com pessoas que, apesar de todas as experiências já vividas, depois de terem lido bons livros, conversado com pessoas maduras e inteligentes, de terem passado por escolas e universidades, ouvirem boas palestras e saberem quase tudo o que a Bíblia ensina, permanecem imaturas. Pessoas assim resistem com todas as forças a qualquer mudança; repetem os mesmos erros, as mesmas dúvidas, os mesmos sentimentos de rejeição; implicam com as mesmas coisas, oram pelos mesmos assuntos, brigam as velhas brigas. Dão a impressão de que não avançaram um milímetro no caminho do amadurecimento, não subiram nenhum degrau na escada do crescimento, não deram nenhum passo em direção a uma vida mais verdadeira. Alguns dão a impressão de que, na verdade, andaram para trás, retrocederam, tornaram-se piores do que já foram.Basta olhar à volta e ver como as pessoas estão envelhecendo. É raro encontrar hoje um idoso maduro, sábio, bem humorado, destes que já viveram o bastante e souberam aproveitar cada experiência, que não vivem por aí resmungando e reclamando da vida, lamentando a idade e as oportunidades perdidas. Têm sempre uma boa palavra, um bom conselho; sabem envelhecer e não ficam procurando, pateticamente, viver como um adolescente, achando que o bonito está em retroceder e que a velhice é um estágio da vida que precisa ser deletado. Penso que a resistência ao amadurecimento tem alguma relação com a resistência ao envelhecimento. Certamente, há muitas razões para a letargia emocional e espiritual em que nos encontramos hoje. Na verdade, ao olharmos para as virtudes cristãs, vamos perceber que, uma a uma, vêm sendo desprezadas e desconsideradas em nossa gloriosa civilização moderna e tecnológica. Humildade, simplicidade, castidade, generosidade, amor, bondade, paciência, coragem, lealdade, fidelidade, perseverança e gratidão vêm sendo substituídos por orgulho, vaidade, ambição, egoísmo, pressa, luxúria, inveja, traição, inconstância e ciúme. Somos, hoje, uma geração que não sabe mais amar, mas fazer sexo; que transformou o velho pecado da ambição na virtude da competência e da competitividade; que fez da vaidade a porta de acesso às banalidades sociais e do egoísmo uma arma de sobrevivência.A paciência há muito deixou de ser uma virtude e, em seu lugar, cresceu o espírito da urgência e da pressa que, com seu pragmatismo funcional, atropelou o longo caminho da construção da dignidade e da honra. O sentimento de gratidão vem sendo substituído pela luta pelo direito e não há mais em nós aquele sentimento de dívida, que, no passado, moldou o caráter das pessoas que contribuíram com seu sacrifício para com a humanidade, porque reconheciam, com profunda gratidão, que tudo o que tinham lhes havia sido doado. O amor e a castidade perderam sua nobreza, transformando o corpo num artigo barato, usando a sensualidade como moeda para adquirir alguns momentos de euforia sexual.Há um tempo atrás escrevi um artigo alertando contra o perigo dos atalhos. Minha preocupação era a mesma de hoje. A nobreza humana é fruto do longo caminho percorrido por aqueles que, com paciência e perseverança, gratidão e respeito, amor e bondade, fidelidade e lealdade, vão escrevendo sua história rumo à maturidade. São pessoas que sabem aproveitar cada experiência vivida, que não fogem do sofrimento e da dor, que reconhecem que tudo o que tem valor encontra-se nas profundezas da alma e precisam ser garimpados com paciência e perseverança.Há uma metáfora do apóstolo Paulo que nos ajuda a entender isso. Ele compara a vida a uma corrida, na qual, para ganhar o prêmio, o corredor precisa de duas coisas: manter diante de si o alvo e ter disciplina. Para ele, a vida deveria ser olhada assim. Ele afirma que corria como quem sabe aonde quer chegar e, como todo atleta, impunha sobre si a disciplina necessária para ter a certeza de que não correu em vão. A imaturidade é o resultado de uma história vivida sem consciência de destino e sem disciplina.A sensação de vazio, o tédio e falta de significado é o que move as novas gerações. Não se vê mais um sentido de missão ou consciência vocacional; não se sabe para onde caminham e nem os valores que abraçam. Os apelos da propaganda, as inúmeras ofertas e possibilidades, a agitação das festas e bares, os convites para as mais variadas atividades, levam a uma falsa sensação de preenchimento e significado. Contudo, quando as luzes se apagam, o barulho cessa, a multidão desaparece e a ressaca acaba, não sobra nada a não ser um vazio que insiste em dizer, silenciosamente, que o caminho não é este, que o alvo se perdeu, que as forças estão se esvaindo – e o tédio começa a bater mais fortemente na porta.A maturidade tornou-se um artigo raro na sociedade pós-moderna. Alguns dias atrás, uma senhora me procurou para falar dos planos de casamento de sua filha. No meio da conversa, sua preocupação com a maturidade do casal, particularmente de sua filha, ficou evidente. Ela tinha certeza de que não estavam preparados para celebrar uma aliança tão importante e vital para suas vidas. No fim da conversa, ela disse num tom irônico: “Mulheres como eu, capazes de enfrentar as lutas que enfrentei, trabalhar, criar os filhos, amar o marido mesmo nos momentos mais difíceis, honrar a aliança que fizemos, superar as diferenças e chegar a esta altura da vida mais plena e mais verdadeira, apesar de todas as cicatrizes que ficaram, é coisa rara, pastor, muito rara”. Ela estava certa.

Autor:Ricardo Barbosa de Souza é conferencista e pastor da Igreja Presbiteriana do Planalto, em Brasilia.

quinta-feira, 18 de outubro de 2007

A vida é quântica (parte 2)


A maioria das pessoas que conheço trata a vida de acordo com os parâmetros da física newtoniana: os fenômenos são previsíveis, explicados na relação inexorável de causa e efeito, numa lógica matemática e divinamente determinada. Em outras palavras, tudo o que acontece é da vontade de Deus. De minha parte, prefiro acreditar que a vida é quântica – convivemos com certa dimensão de aleatoriedade e liberdade; nem tudo o que acontece estava pré-determinado; aliás, a maior parte das coisas acontece porque os atores envolvidos na cena assim o pretenderam, e Deus, mesmo sem abrir mão de sua soberania, apenas permitiu, e não necessariamente causou ou determinou. Isso faz muita diferença.Prometi continuar falando a respeito desta diferença na edição passada. Entre os dois axiomas – “Deus é a causa de tudo que acontece” e “Deus não tem nada a ver com o que acontece” –, há uma alternativa. A maneira como o Senhor interfere no curso da vida pode ser entendida, em primeiro lugar, a partir do fato de que Deus entregou o universo às suas forças e leis, mas o ato de rebeldia da criatura em relação ao Criador desestruturou tudo que foi criado. A criatura passou a sofrer as conseqüências desta desarmonia cósmica.Mesmo em desequilíbrio, o universo guarda uma ordem, de modo que podemos viver à luz de determinadas regras imutáveis. Em se tratando do universo físico, vale a física quântica e seus derivados como a teoria do caos e a teoria da incerteza: o universo é uma ordem caótica, e a ordem é um caos ordenado. Mas quando falamos do universo social, e de como as criaturas afetam o universo físico, falamos de um desequilíbrio onde somos todos, igualmente, vítimas das imprevisibilidades da criação desequilibrada – notadamente, das criaturas desequilibradas que atuam neste universo. Isso significa que vivemos a era do “já e ainda não”, pois o advento de Jesus Cristo inaugurou o Reino de Deus, isto é, em Cristo Deus começou a restaurar a plena harmonia cósmica. Nesse caso, estamos sujeitos às fatalidades e inexorabilidades do universo que ainda não está totalmente redimido, mas também estamos sujeitos aos atos de misericórdia e graça de Deus e todas as suas possibilidades – visto que o universo já começou a ser redimido. Estamos vivendo o Reino de Deus inaugurado, mas não consumado (vale a pena ler Marcos 1.14, 5 e I João 3.2-8). Podemos, portanto, contar com as interferências de Deus no universo e na vida das pessoas. E temos boas razões para acreditar no Deus que intervém. O Senhor tem um propósito de redenção para a totalidade de sua criação e suas interferências na História equivalem ao exercício de sua vontade soberana, tendo em vista a consecução deste supremo propósito.Enquanto vivemos sujeitos às forças e leis do universo físico, social e espiritual, podemos contar com a ação de Deus em nossas circunstâncias, o que acontece de maneira eventual e imprevisível (às vezes ele faz, e às vezes não faz, e não sabemos explicar esse mistério). Podemos e devemos também contar com a ação do Senhor em nós, o que acontece sempre, pois é sua promessa que “em todas as coisas coopera com aqueles que o amam para trazer à existência aquilo que é bom”, isto é, formar o caráter de Cristo em nós. Na possibilidade da ação de Deus em nosso favor, quer seja em nossas circunstâncias, quer seja em nós, reside nossa segurança e se sustenta nossa fé.O segredo de tudo está na expressão de Paulo aos romanos. Conhecemos bem o famoso “tudo coopera para o bem”. E geralmente o interpretamos com um ditado popular, do tipo “Deus escreve certo por linhas tortas”, ou consolos como “se isso não deu certo é porque Deus tem algo melhor para você”. Tal interpretação, entretanto, é um reducionismo e um equívoco. Prefiro a tradução de rodapé da Nova Versão Internacional: “Sabemos que em todas as coisas Deus coopera juntamente com aqueles que o amam, para trazer à existência o que é bom”. Isso é extraordinário. Deus não é necessariamente a causa de todas as coisas. E também não é o mágico que faz com que tudo de mal que eventualmente nos sobrevenha seja transformado em bem. Mas é necessariamente aquele com quem nos relacionamos no intuito de encontrarmos forças, sabedoria, discernimento e provisão de toda sorte para enfrentarmos e atravessarmos todas as situações de modo a colhermos o que é bom. E o que é o bem, ou bom, deste texto? Está em Romanos 8.29: “Ser transformado à imagem de Jesus, o primogênito dentre muitos irmãos”.Em síntese, Deus não é um manipulador de situações nem um solucionador de problemas. Deus é um parceiro na vida e um solucionador de pessoas. Você caminha por esse mundo sujeito às aleatoriedades que sobrevêm sobre todos os mortais – mas diante da certeza de que Deus está agindo no universo para realizar seu plano eterno de redenção para toda a sua criação, e a sua redenção em particular, pois qualquer que seja a situação que enfrente, o Senhor estará lá, com você, em você. O Espírito Santo, com gemidos inexprimíveis, intercede por você, ajudando-o nas suas fraquezas e moldando você à imagem de Jesus.A vida é quântica. Ninguém pode precisar o dia de amanhã. Deus não o predeterminou. Tudo é possível: chuva ou sol; paz ou guerra. Encontros e despedidas. Boa parte do curso da vida, especialmente no que diz respeito à dimensão física do universo, é previsível e passível de controle e providências de nossa parte. Mas a vida não é assim. Os fatos que estão por vir dependem de nossas decisões e escolhas. Por esta razão, devemos ser responsáveis, passo a passo. A única coisa certa é que os propósitos eternos de Deus não podem ser frustrados. E que a boa mão do Senhor estará sobre nós, zelando para que o propósito eterno que estabeleceu para cada um seja consumado. Por esta razão dormimos em paz: nenhum fio de cabelo de nossa cabeça cairá sem que ele o permita.

quarta-feira, 10 de outubro de 2007

A vida é quântica

A maior parte das coisas acontece porque os envolvidos na cena assim o pretenderam, e Deus, embora soberano, apenas permitiu atribuir tudo o que é bom a Deus e tudo o que é mau a Deus ou aos deuses é um raciocínio, no mínimo, primitivo. Leucipo (450 a.C.), o primeiro atomista, disse que “nada acontece aleatoriamente; tudo acontece por alguma razão e necessidade”.

Demócrito (460 – 370 a.C.), seu sucessor, acreditava que o acaso significava ignorância da causa determinante, isto é, todos os fatos têm uma causa, ainda que oculta ou desconhecida. A coisa começou a mudar com Epicuro (341 – 270 a.C.) e Lucrécio (96 – 55 a.C.), que começaram a considerar que existe no universo uma dimensão de indeterminismo.A tradição cristã sempre defendeu o determinismo. O filósofo inglês Thomas Hobbes (1588 – 1679) assegurava que todos os eventos eram predeterminados por Deus. No seu universo não havia espaço para o acaso.


Nada, entretanto, contribuiu mais para a concepção determinista do universo do que a física newtoniana. A noção de que todo o universo poderia ser explicado e conhecido pela matemática foi a base da revolução científica do fim do século 17. Havendo um projeto matemático, necessariamente haveria um grande projetista, e, portanto, não haveria espaço para o acaso e a aleatoriedade. A ciência, nos termos de Newton e seus sucessores, trouxe à luz a falsa idéia de que “tudo se encontrava nos limites da capacidade humana de medir, contar e controlar”.A maneira como concebemos o universo e o curso da vida humana vem mudando ao longo do tempo.


Na chamada Idade Média, por exemplo, quando a religião tinha primazia sobre a ciência, acreditava-se que a Terra era plana, que índios, negros e mulheres não tinham alma e que o sol é que girava em torno de nosso planeta. Na Idade Moderna, surgem nomes como Nicolai Copérnico, Johan Kepler e Galileu Galilei, que confrontam e quebram a hegemonia da Igreja, promovem uma revolução no pensamento científico e protagonizam a grande quebra de paradigmas em termos das leis da física que regem o universo. Mais adiante, Isaac Newton descreve em linguagem matemática o que seus antecessores não conseguiram explicar.A partir de então, o universo passa a ser visto como um relógio, e Deus, como o relojoeiro. Isto é, o materialismo determinista afirma que Deus (se é que existe ou é necessário) criou o universo com suas forças e leis fixas, deu corda, colocou a coisa toda para funcionar e depois cruzou os braços, deixando-o seguir seu curso previsível à luz das regras estabelecidas. Os demais eventos, pois, seriam desdobramentos previsíveis.Já o que podemos chamar de idade neo-moderna é a era Albert Einstein (1879-1955). Ele queria se livrar do jugo da religião e, para isso, pretendeu não apenas descrever, mas também compreender e explicar o universo através do código científico, em detrimento dos axiomas religiosos. Suas principais contribuições foram a descrição do átomo como partícula da matéria; a noção de que a luz constitui-se por partículas, os fótons; a idéia da curvatura do espaço; e a Teoria da Relatividade. Einstein provou que havia outros níveis e dimensões da realidade física – o microcosmo, que nada explicava, nem as leis físicas enunciadas por Newton.Daí, chegamos à idade pós-moderna e à física quântica, quando se discute a matéria em níveis ainda menores do que o átomo. Esta mudança de paradigma é ainda mais extraordinária, pois introduz o conceito de consciência pessoal, consciência cósmica e espiritualidade na discussão científica. Por exemplo – de acordo com Bruce Gregory, quando uma árvore cai na floresta, ela faz barulho mesmo que ninguém esteja lá para ouvir, isto é, a realidade existe independentemente de qualquer interferência humana ou de uma consciência pessoal.


Mas, na dimensão quântica (a da matéria sub-atômica), a realidade não existe independentemente de um observador – é o ato de observar que produz a realidade. Assim, quando um físico mede alguma coisa na dimensão quântica, ele altera o valor daquilo que é medido pelo simples fato de estar fazendo a medição – logo, a realidade é parcialmente criada por quem está olhando.Nesse sentido, a ciência deixa claro que existem duas realidades convivendo: a realidade previsível da física newtoniana – a do universo determinado – e a realidade imprevisível da física quântica, que justifica o universo livre. Podemos, por exemplo, medir a distância entre os planetas, o movimento das marés, as fases da lua e os ciclos climáticos com certa exatidão. Mas não podemos afirmar ao certo a posição de um elétron num determinado momento, nem mesmo saber quando uma partícula sub-atômica vai saltar de uma órbita para outra.


O que a física quântica diz é mais ou menos que “o elétron se move como bem entende”. Abre-se, portanto, uma brecha para uma visão não determinista do universo – isto é, um universo afetado pela consciência, onde a realidade é criada por quem a está vivendo.A maioria das pessoas que conheço trata a vida de acordo com os parâmetros da física newtoniana. Vivem fenômenos previsíveis, explicados na relação inexorável de causa e efeito, numa lógica matemática e divinamente determinada. Em outras palavras – tudo o que acontece é da vontade de Deus e pronto. De minha parte, prefiro acreditar que a vida é quântica. Convivemos com certa dimensão de aleatoriedade e liberdade, e nem tudo o que acontece estava pré-determinado. Aliás, a maior parte das coisas acontece porque os atores envolvidos na cena assim o pretenderam, e Deus, mesmo sem abrir mão de sua soberania, apenas permitiu, e não necessariamente causou ou determinou. Isso faz muita diferença. Sobre esta diferença, falaremos na próxima edição – se Deus quiser.

Ed René Kivitz é escritor conferencista e pastor da Igreja Batista da Água Branca, em São Paulo

terça-feira, 2 de outubro de 2007

IGREJA CATÓLICA, A ÚNICA. E NÓS?


O papa Joseph Ratzinger homologou algumas formulações preparadas, em 29.6.2007. pela Congregação para a Doutrina da Fé, da qual ele mesmo foi prefeito (presidente) um dia.O texto intitulado "Respostas a questões relativas a alguns aspectos da doutrina sobre a igreja" está integralmente no site do Vaticano.


Destaco algumas frases e, depois, ofereço alguns comentários:


1. "Cristo `constituiu sobre a terra' uma única Igreja e instituiu-a como `grupo visível e comunidade espiritual', que desde a sua origem e no curso da história sempre existe e existirá, e na qual só permaneceram e permanecerão todos os elementos por Ele instituídos. `Esta é a única Igreja de Cristo, que no Símbolo professamos como sendo una, santa, católica e apostólica. (...) Esta Igreja, como sociedade constituída e organizada neste mundo, subsiste na Igreja Católica, governada pelo Sucessor de Pedro e pelos Bispos em comunhão com ele'. Na Igreja católica, (...) concretamente se encontra a Igreja de Cristo sobre esta terra".


2. "Por isso, as próprias Igrejas e Comunidades separadas, embora pensemos que têm faltas, não se pode dizer que não tenham peso ou sejam vazias de significado no mistério da salvação, já que o Espírito se não recusa a servir-se delas como de instrumentos de salvação".


3. "Como (...) a comunhão com a Igreja católica, cuja Cabeça visível é o Bispo de Roma e Sucessor de Pedro, não é um complemento extrínseco qualquer da Igreja particular, mas um dos seus princípios constitutivos internos, a condição de Igreja particular, de que gozam essas venerandas Comunidades cristãs, é de certo modo lacunosa".


4. As comunidades não-católicas romanas "não têm a sucessão apostólica no sacramento da Ordem e, por isso, estão privadas de um elemento essencial constitutivo da Igreja. Ditas comunidades eclesiais que, sobretudo pela falta do sacerdócio sacramental, não conservam a genuína e íntegra substância do Mistério eucarístico, não podem, segundo a doutrina católica, ser chamadas "Igrejas" em sentido próprio".


Comento, indignado, confesso


1. Para se legitimar, a Igreja Católica Romana tornou o apóstolo Pedro como o primeiro papa. Há dois problemas: não há prova histórica de que Pedro tenha sido um bispo, em Roma ou em outra cidade, no sentido que a Igreja Romana dá ao episcopado.


2. Para se legitimar, a Igreja Católica Romana toma a Ceia do Senhor (ou Eucaristia, uma linda palavra, que quer dizer "agradecimento") como o fundamento de sua fé, fundamento tal central que a cruz vai para segundo plano. Como só o padre celebrada a Eucaristia na missa, ela se torna, não mais um memorial de esperança sobre a morte e a volta de Jesus Cristo num instrumento de controle. Os elementos têm que se transbustancializar se não perdem sua força coercitiva. Como as outras igrejas não celebram a Eucaristia transbustancializada, logo não são igrejas...


3. Embora não estejam no mesmo nível da Igreja Católica Romana, as outras igrejas, especialmente as Ortodoxas, têm um lampejo de Cristianismo, mas só como pedagogo, só valendo para levar os ainda não-católicos para a Igreja Romana, onde "finalmente" serão salvos...)


4. Uma igreja "lacunosa" não é plenamente uma igreja.


5. Não está explícito, mas implícito no documento, que as igrejas protestantes, ditas "históricas", "pentecostais" ou "ultrapentecostais", não são igrejas. Quando esteve no Brasil, o papa Bento 16 colocou todo mundo no mesmo saco de "seitas". Alguns dos líderes destas "seitas" foram em bloco "conversar" em ele em São Paulo. O diálogo que não houve durou longos 15 minutos.


6. O texto, intitulado, tem 20 notas de rodapé, citando outros papas. Não há um só versículo bíblico. Não por acaso o "herege" Martin Lutero gritou que só se deixaria convencer pela Bíblia, tornada um dos pilares da teologia e prática protestante.


7. Como uma comunidade pode se afirmar como "a única igreja de Cristo", se ela propõe que seu líder (o papa) fala de modo infalível quando fala como papa, prerrogativa que nem Pedro, o suposto primeiro deles, resistido na cara por Paulo, pretendeu tal autoridade, pretensão próxima dos imperadores romanos que ostentavam status de divindades?


8. Não é "lacunosa" a igreja que mantém e justifica todo o vergonhoso e rentável sistema mariolátrico no mundo e, junto, toda a inverossímil e antibíblica doutrina da intercessão dos santos?


9. O protestante que se afirma detentor da verdade bíblica fala igualzinho a Joseph Ratzinger.


Autoria: Pr. Israel Belo de Azevedo.

quarta-feira, 26 de setembro de 2007

Os tambores de Nietzsche


Recentemente, através do Youtube, deparei-me com uma cena, no mínimo, inusitada: uma famosa cantora gospel brasileira, em um show (que insistem em chamar de “ministração”) começou a afirmar que, ao som dos tambores que seriam tocados pelos seus músicos, as potestades do mal seriam destronadas em nosso país, Satanás e seus asseclas seriam eternamente envergonhados, e o nome do Senhor seria exaltado. Infelizmente, não sei se isso ocorreu antes do recrudescimento da violência no Rio pré-PAN ou antes da avalanche de escândalos morais no Congresso Nacional. Porém, vi que, ao serem tocados os tambores, houve um frenesi, tanto na platéia como no palco: a cantora, sem muita intimidade com instrumentos de percussão, começou a “surrar” um gongo chinês, atravessando todo o ritmo, repetindo a todo tempo os mantras “o Brasil é de Jesus” e “diabo, você está derrotado”.


Sinto-me meio sem rumo. Em minha conversão, há 19 anos, nunca esperaria ver um ritual de macumba gospel palatável à burguesia divulgado pela internet. Ao formar-me no seminário e assumir uma igreja como pastor, há dez anos, não pensava em concordar tão prontamente com a banda de hip hop “Apocalipse 16”, na música “Meus inimigos estão no poder”, uma citação da composição “Ideologia”, de Cazuza.


É triste pensar no cristianismo evangélico atual no Brasil. Tornamo-nos pastiche de uma religiosidade irrelevante — e, o que é pior, tornou-se prato cheio para uma mídia com má vontade e sedenta de escândalos. Afinal, em dois dos mais recentes escândalos no país, evangélicos estão envolvidos de forma negativa: a recente acusação contra um deputado federal, líder de uma denominação, que pagou para um pistoleiro matar outro deputado, também pertencente à sua denominação; e, no caso do senador Renan Calheiros, Mônica Veloso, a repórter que não sabe fazer planejamento familiar e engravidou de um poderoso senador meio sem querer, afirmou ser, de acordo com entrevista à “Folha de S. Paulo”, “evangélica, batista, do Vale do Amanhecer”.


Friedrich Nietzche é um nome que causa arrepios entre nós, nem tanto por sua colaboração filosófica vital ao nazismo, mas mais por sua virulência contra o cristianismo protestante, atacando sem dó nem piedade a moral e os valores cristãos. Para ele, a figura de Jesus é o retrato mais bem acabado do fracasso e da derrota. Esta moral deveria ser suplantada por uma outra. Para tanto, ele propunha a nova moral, a nova ética, a partir do super-homem. Mas, para que tal intento tivesse sucesso, era necessário ter a consciência de que Deus, a fonte da moralidade cristã, morreu. Ele mesmo escreveu, em um de seus textos: “Deus morreu e nós o matamos! Sinta o cheiro da putrefação divina!”


Será que Nietzche está, afinal, certo? Será que Deus realmente morreu? Afinal, qual a relevância de Deus para o movimento evangélico de hoje? Qual a relevância dos valores do Evangelho do Reino, reduzidos a um mero exorcismo com tambores em um “show gospel” mal tocado? Aquilo que aprendemos nos domingos, em nossas comunidades, é praticado no dia-a-dia? Aquilo que aprendemos é mesmo aquilo que está na sua Palavra? Deus é relevante, ou se torna figura de retórica, pedra de toque, fetiche religioso para manipulação mágica do mundo espiritual, como o temos reduzido ultimamente?


Se não retornarmos (ou melhor, nos convertermos) ao Evangelho do Reino, abandonando o falso evangelho da macumba gospel, infelizmente, seremos obrigados a imaginar Nietzche, com aquele bigodão de vassoura, dando folgadas gargalhadas no inferno e gritando em alemão: “Eu venci!”. Que sejamos sal em um mundo apodrecido e luz no meio das trevas religiosas. Que o Senhor tenha misericórdia de nós.


Autoria:Rodrigo de Lima Ferreira.

terça-feira, 25 de setembro de 2007

quarta-feira, 19 de setembro de 2007

A sedução da teocracia


Recentemente participei de um encontro chamado “Sounds of Hope” (Sons de Esperança), que reuniu líderes cristãos de países predominantemente muçulmanos, como Egito, Líbano e Jordânia. Ouvindo seus relatos de vida como minorias sitiadas numa região turbulenta, vi-me pensando sobre a relação entre o cristianismo e o islamismo.

Há alguns anos, um muçulmano me disse: “Não encontro orientação no Corão sobre como os muçulmanos devem viver como minoria numa sociedade e não encontro orientação no Novo Testamento sobre como os cristãos devem viver como maioria”. Ele pôs o dedo na principal diferença entre as duas religiões. Um, nascido no Pentecostes, tende a florescer transculturalmente e mesmo contraculturalmente, em geral coexistindo com governos opressores. O outro, geograficamente ancorado em Meca, foi fundado, ao mesmo tempo, como religião e Estado.

Em conseqüência, nos países claramente muçulmanos, religião, cultura e política são unificadas. Enquanto nos Estados Unidos as direções das escolas debatem a legalidade de orações não sectárias de um minuto nos jogos de futebol, nos países muçulmanos o comércio e o transporte param tudo para orações cinco vezes por dia. Muitos muçulmanos querem que a lei do Shari’ah seja retirada de escritos sagrados similares ao abrangente código do Pentateuco.

Animado pelo zelo teocrático, o islamismo conquistou três quartos de todo o território cristão durante a Idade Média. Em resposta, os cristãos, que tinham pouca tradição em guerra santa, desencadearam as Cruzadas. Depois, o Ocidente cristão separou Igreja e Estado e promoveu a liberdade religiosa. Ultimamente, a Europa ficou identificada como uma cultura “pós-cristã”. Sem dúvida, não há sociedades “pós-muçulmanas” nas regiões em que o islamismo foi expulso pela força.

A cultura teocrática potencializa a coerção moral, como os cristãos sabem por sua própria história. Na Argélia, islamitas radicais cortam lábios e narizes de muçulmanos que fumam e bebem álcool. Em alguns países muçulmanos, a polícia moral bate publicamente em mulheres que ousam tomar um táxi desacompanhadas de seus maridos ou dirigir sozinhas seus carros. O adultério ou a conversão ao cristianismo pode redundar em pena de morte.

Os cristãos no Oriente Médio não se opõem a todos os rigores morais do islamismo. Um egípcio me disse que um homem não se hospeda num hotel com a mulher enquanto não provar que é sua esposa – uma prática que ele apóia –, e o mesmo pensa sua esposa. Muitos cristãos com quem conversei prefeririam criar seus filhos numa sociedade islâmica bem guardada do que nos Estados Unidos, onde a liberdade geralmente leva à decadência.

O sentimento de uma cultura unificada pervade todos os níveis da sociedade islâmica, a começar pela família. Um bom muçulmano coloca o grupo acima do indivíduo. Compreender isto – diz um americano que vive no Egito – pode ajudar a explicar o ultraje e a violência que eclodiram por causa das charges dinamarquesas sobre o profeta Maomé.

O fundamento da sociedade árabe não é o indivíduo, mas a comunidade; primeiro, a família, depois a família ampliada ou o clã, depois a comunidade religiosa e, de vez em quando, a nação.
Segundo essa visão, se os chargistas da Dinamarca (a “comunidade dinamarquesa”) insultaram o Islã e seu profeta e se os líderes não repudiaram a atitude, então os muçulmanos interpretam que o líder e os dinamarqueses apóiam os cartões e os insultos. Embora o primeiro-ministro dinamarquês tenha publicamente manifestado sua desaprovação às charges, também lembrou que isto não era ilegal na Dinamarca por se tratar de liberdade de expressão e imprensa para os indivíduos. Ironicamente, esta declaração foi interpretada pela comunidade islâmica como uma defesa e um apoio às charges.

As duas cosmovisões culturais não conseguem uma compreensão mútua. Ouvir sobre a cultura islâmica em primeira mão aumentou minha compreensão, mas, ao mesmo tempo, me deixou preocupado com minha própria sociedade. Será que teremos que criar nossa própria versão de fundamentalismo severo a exemplo do islamismo contemporâneo?


Autoria:Philip Yancey -(Tradução de Israel Belo de Azevedo)

terça-feira, 18 de setembro de 2007

A Bíblia contra “idéia dos crentes”


Um dos grandes identificadores dos evangélicos, ou do “povo crente”, como dizem alguns, é a sua apreciação pela Bíblia. Houve até mesmo época quando os conhecidos crentes eram chamados de “bíblias”. No entanto, apesar da tradição que vincula os evangélicos à Bíblia, será que essa realidade é verificável? Surpreendentemente, parece que grande parte da tradição evangélica nada tem a ver com o estudo sério das Escrituras.

Muitas idéias e práticas sagradas e supostamente bíblicas têm outras origens: a cultura norte-americana, brasileira, européia, africana etc. Certa ocasião, fiquei atônito quando tentei compartilhar o Evangelho com um homem numa viagem de ônibus. Ele, ao perceber minha linha de pensamento, perguntou: “Você é crente?”. E prosseguiu: “Mas é crente mesmo?”. Confuso, respondi: “Sim”. E, mais do que depressa, ele disse, com firmeza: “Você bebe café?”. Sem entender, respondi afirmativamente, e, então, esboçando largo sorriso, o homem reverberou: “Então não é! Porque o crente que é crente mesmo, nem café bebe!” Perplexo, fiquei a pensar que tipo de Evangelho se divulga em nossos dias! O cristianismo de alguém é avaliado pelo café ingerido?!

Durante muito tempo envolvido com a área da literatura, principalmente a teológica e acadêmica, posso atestar que o tipo de livro menos procurado pelo mercado evangélico chama-se “comentário bíblico”. Apesar de termos cerca de meio milhão de pastores e líderes no Brasil, parece que a maioria deles não entende que o estudo aprofundado da Bíblia é tarefa urgente e indispensável.

Esse distanciamento das Escrituras, presente no meio evangélico, tem facilitado o surgimento de outras tradições, marcadas por idéias e costumes que levam a comunidade para uma outra direção, para longe de uma teologia fundamentada na Bíblia.

Infelizmente – é verdade –, há muita “idéia de crente” que é contra a Palavra de Deus. Não faz tanto tempo assim, numa comunidade cristã ouvi uma multidão aplaudir a seguinte frase enfatizada por um de seus líderes: “Deus precisa de você”. O discurso prosseguiu sugerindo que Deus nada poderia fazer sem a atuação humana. Que tipo de Deus é esse? Pode ser de algum grupo evangélico! Mas não é bíblico! Afinal, como lemos em Atos 10.25 e 26, Deus, por definição, não precisa de nada: “O Deus que fez o mundo e tudo o que nele há é o Senhor dos céus e da terra, e não habita em santuários feitos por mãos humanas. Ele não é servido por mãos de homens, como se necessitasse de algo, porque ele mesmo dá a todos a vida, o fôlego e as demais coisas”.

Em muitos cultos evangélicos é comum ouvir o povo agradecer a Deus por estar reunido na “casa do Senhor”. A idéia particular dos crentes até existe nas Escrituras, só que não no cristianismo do Novo Testamento. Havia um tabernáculo e um templo no Antigo Testamento.


Mas Jesus mudou o enfoque, afirmando que Deus não está restrito a templos. A verdade é que Deus não habita no prédio da igreja! Em João 4, a mulher samaritana queria saber se Deus dava prioridade a Jerusalém ou a Samaria como “casa de Deus”. Jesus deixa claro que a adoração deve ser em espírito e em verdade (Jo 4.23). O Novo Testamento, ao contrário dos crentes, ensina que a casa de Deus somos nós, onde o Espírito Santo habita. Em 1 Pedro 2.5 descobrimos que somos “as pedras vivas” e “a casa espiritual”.

Outra tradição evangélica, que assusta até descrentes, é que para Deus “não há pecadinho nem pecadão”. Todos os pecados são iguais para Deus! É possível imaginar que um canibal e um pedófilo assassino sejam equiparados a quem não ora sem cessar (1Ts 5.17)? É absurdo! É provável que a má interpretação tenha surgido de Tiago 2.10, que afirma que “quem tropeça num só ponto da lei é culpado de todos”. Na verdade, o texto apenas nos mostra que apenas um pecado é suficiente para nos deixar numa condição de pecadores perante Deus. Como Deus é santo, um simples pecado nos classifica como condenáveis. No entanto, isso não quer dizer que todos os pecados são iguais. Em João 19.11, Jesus diz a Pilatos que aquele que o havia entregado a Pilatos tinha “maior pecado”. O texto é explícito! A própria Bíblia faz diferença entre pecado e abominação (algo detestável, repugnante), como vemos em Levítico 18.22.


ERROS “INOFENSIVOS”

No quadro de avisos de alguns templos evangélicos não é difícil encontrar a seguinte frase: “Muita oração, muito poder; pouca oração, pouco poder”. Apesar do impacto do refrão, devemos perguntar: “Onde vemos isso na Bíblia”? Poderíamos fazer um gráfico estatístico e matemático da oração e estabelecer sua performance? É irônico. Jonas, o profeta que foi usado para trazer o despertamento de Nínive, aparentemente não fez nenhuma oração! Deus é soberano! Ele faz como quer. Certamente, muitos irão dizer que nosso padrão deve ser Elias. Jonas é exceção! Voltemos à Bíblia. Desde quando as orações de Elias funcionaram pela quantidade? Jesus criticou a repetição de orações (Mt 6.7), e em Tiago 5, onde Elias é mencionado, sua oração não é “muita”, mas fervorosa (v. 17). O texto enfatiza que a oração que funciona é a de um “justo” (v. 16), e isso não tem a ver com “quantidade”.

Estes são apenas alguns exemplos de tradições evangélicas não fundamentadas nas Escrituras. O problema é que esses erros “inofensivos” acabam nos afastando do que importa e nos levando a perder tempo com coisas desnecessárias e secundárias. Temos a doutrina do sábado, da gravata, do paletó, da unção etc. Corremos o risco de criarmos tradições humanas que tomam o lugar da Palavra de Deus (Mc 7.9). Hoje, quando se fala em cristão evangélico, imaginamos que se trata de uma pessoa sem vícios, que não bebe, não fuma, não dança, não joga etc. Ora, ninguém precisa ser cristão para viver assim. Há ateus que não fumam nem bebem. Isso não é questão de espiritualidade, mas sim de inteligência! Estamos criando uma caricatura do Evangelho. Ao contrário, Deus deseja pessoas salvas por Cristo, misericordiosas, justas, incorruptíveis, dispostas a perdoar e capazes de amar.

Parece que os profetas enfrentaram algo semelhante em sua época. Ainda hoje, as santas palavras de Miquéias ecoam bem alto: “Com que eu poderia comparecer diante do Senhor e curvar-me perante o Deus exaltado? Deveria oferecer holocaustos de bezerros de um ano? Ficaria o Senhor satisfeito com milhares de carneiros, com dez mil ribeiros de azeite? Devo oferecer o meu filho mais velho por causa da minha transgressão, o fruto do meu corpo por causa do pecado que eu cometi? Ele mostrou a você, ó homem, o que é bom e o que o Senhor exige: pratique a justiça, ame a fidelidade e ande humildemente com o seu Deus” (Mq 6.6-8–NVI).


Autoria:Luiz Sayão

segunda-feira, 17 de setembro de 2007

Atletas de Cristo

Atletas de Cristo existe oficialmente desde 04 de Fevereiro de 1984, e é uma entidade sem fins lucrativos que subsiste através de doações voluntárias.

Sua VISÃO é que o mundo todo pode ser alcançado para Cristo através da linguagem universal do esporte.


Sua MISSÃO é levar o atleta a Jesus Cristo a fim de levar o Evangelho ao mundo através do atleta.


Seu OBJETIVO é fazer isto nesta geração.


Suas ESTRATÉGIAS:


1. Promover por todos os meios, a proclamação do Evangelho através do esporte.


2. Equipar líderes e obreiros para a evangelização e o discipulado dos atletas.


3. Desafiar a igreja a se engajar neste projeto, fazendo uma tabelinha com os atletas no cumprimento da Grande Comissão.:::::

QUEM MANTÉM ESTE TRABALHO


Atletas de Cristo é uma entidade sem fins lucrativos e subsiste através de ofertas voluntárias. O lucro das vendas dos produtos com a marca "Atletas de Cristo" também reverte em benefício do seu trabalho. No caso dos Grupos Locais de Atletas de Cristo, este lucro é divido com o grupo, na forma de descontos especiais, gerando recursos para os trabalhos locais.


Se você compreende a importância desse trabalho e deseja mante-los atuantes nos campos, nas quadras e nas pistas do mundo, utilize uma das formas abaixo para fazer a sua doação:


# Depósito em Conta Corrente Banco Bradesco Ag. 0107-4Conta Nro. 242.077 - 5 Banco Itaú Ag. 0866Conta Nro. 06540-2#


#Cheque NominalEnvie cheque cruzado e nominal a ATLETAS DE CRISTO NO BRASIL, para o seguinte endereço:Caixa Postal 55011 - S. Paulo - SP - CEP 04733-970#


#Vale PostalEnvie um vale postal em nome de ATLETAS DE CRISTO NO BRASIL, para a Caixa Postal 55011 - S. Paulo - SP - CEP 04733-970#


#Carnê de ContribuiçãoSolicite um carnê de contribuição personalizado, por email - atletas@attglobal.net - por telefone (11) 5545-4415 ou por fax (11) 5686-6629 ou envie seu pedido por carta para Caixa Postal 55011 - S. Paulo - SP 04733-970, informando nome e endereço completo.#


domingo, 16 de setembro de 2007

Psicologia e fé cristã


Ataques ferrenhos contra o cristianismo bíblico têm sido lançados de múltiplas direções. Dos campos psicológico, filosófico, biológico, para não mencionar o religioso, aparecem razões para descrer do Evangelho.

Karl Marx tentou derrubar a fé cristã pelo determinismo materialista. Charles Darwin lançou sua teoria evolucionista há quase 150 anos, mas ela continua fazendo vítimas em nossas escolas e universidades. Para Darwin, as incríveis maravilhas da Criação nada mais são do que um processo natural que age por acaso durante bilhões de anos.

Sigmund Freud dirigiu seu ataque contra a própria existência de Deus. Postulou que o conceito de Deus é uma projeção da mente que cria um pai substituto, necessário para a estabilidade emocional de pessoas fracas e medrosas. Os historiadores atacam as raízes do cristianismo questionando a veracidade dos eventos centrais da fé. A mídia acrescenta seu apoio, publicando artigos e passando documentários que lançam dúvidas sobre fatos centrais, como o nascimento virginal de Jesus, sua ressurreição e ascensão. O que resta para a fé agarrar não passa de cascas e folhas. A substância é anulada e desacreditada.

Dr. C.G. Jung, um dos mais venerados psicólogos da última geração, escreveu um livro intitulado Modern Man in Search of a Soul(O Homem Moderno em Busca da Alma). A tese do seu livro é que um analista precisa fornecer para seu paciente, enfermo emocionalmente, uma fé que o ajude a vencer o temor da escuridão. Tem que ajudá-lo a vencer o desespero e a desilusão no mundo que domina sua vida. Precisa de alguma percepção (insight) que o permita alcançar saúde emocional.

Para este reconhecido psicólogo, todo ser humano, sem nenhuma exceção, precisa de, pelo menos, quatro coisas: 1) Amor; 2) Fé; 3) Esperança; 4) Compreensão. Jung confessa que o pensamento humano é incapaz de dar ao paciente o que ele necessita: fé, amor, esperança e percepção (Vernon Grounds, Psychology and the Gospel, Seminary Study Series, Denver, CO, s/d). Unicamente o Evangelho fornece estes elementos essenciais ao bem-estar do homem.O


EVANGELHO SUPRE O QUE O HOMEM PRECISA

O Evangelho mantém suas mais profundas raízes no amor de Deus pelo mundo que se autodestrói pelo seu egoísmo, inveja e orgulho. O Evangelho não somente exige fé em Deus, bem como no Senhor Jesus que, “embora sendo Deus, não considerou que o ser igual a Deus era algo a que devia apegar-se; mas esvaziou-se a si mesmo” (Fp 2.6,7). Ofereceu-se em sacrifício para expiar os pecados do mundo. A salvação do pecado e da culpa tem na cruz de Cristo um evento ímpar, pelo qual podemos confiar que nossos pecados foram pagos definitivamente.

Nas verdades centrais da Bíblia encontramos esperança da vida eterna. A morte seria aterrorizante se não fosse a esperança que abre a porta que conduz ao paraíso. A percepção é mais um presente valioso que os regenerados possuem. Pelo autoconhecimento que a Bíblia providencia, podemos tomar dois passos gigantes em direção à saúde emocional.

Primeiro, alcançamos a verdade segura do porquê de nossa existência. Nascemos para glorificar a Deus e alegrar-nos nEle para sempre. Segundo, uma vez sondados e examinados pelo Espírito de Deus (compare João 16.8,9), percebemos nossa pecaminosidade. Infectados com a doença mortal do pecado, não estamos em condições de comparecer diante do Deus que é absolutamente santo sem sermos condenados. Somente esta percepção nos levará a um arrependimento genuíno. Somente arrependimento real nos permite abraçar a fé que perdoa e salva. Experimentamos a graça libertadora e transformadora do Evangelho.


CONCLUSÃO

Não imagine, por um minuto sequer, caro leitor, que o cristianismo não tem nenhuma defesa eficaz contra os múltiplos ataques lançados pelos intelectuais secularizados. Convincentes argumentos, devidamente fundamentados na verdade histórica do Evangelho, respondem coerentemente aos desafios do passado e do presente. Saúde emocional e paz são as recompensas recebidas pelos que crêem.


Autoria:Russel Shedd