quarta-feira, 10 de outubro de 2007

A vida é quântica

A maior parte das coisas acontece porque os envolvidos na cena assim o pretenderam, e Deus, embora soberano, apenas permitiu atribuir tudo o que é bom a Deus e tudo o que é mau a Deus ou aos deuses é um raciocínio, no mínimo, primitivo. Leucipo (450 a.C.), o primeiro atomista, disse que “nada acontece aleatoriamente; tudo acontece por alguma razão e necessidade”.

Demócrito (460 – 370 a.C.), seu sucessor, acreditava que o acaso significava ignorância da causa determinante, isto é, todos os fatos têm uma causa, ainda que oculta ou desconhecida. A coisa começou a mudar com Epicuro (341 – 270 a.C.) e Lucrécio (96 – 55 a.C.), que começaram a considerar que existe no universo uma dimensão de indeterminismo.A tradição cristã sempre defendeu o determinismo. O filósofo inglês Thomas Hobbes (1588 – 1679) assegurava que todos os eventos eram predeterminados por Deus. No seu universo não havia espaço para o acaso.


Nada, entretanto, contribuiu mais para a concepção determinista do universo do que a física newtoniana. A noção de que todo o universo poderia ser explicado e conhecido pela matemática foi a base da revolução científica do fim do século 17. Havendo um projeto matemático, necessariamente haveria um grande projetista, e, portanto, não haveria espaço para o acaso e a aleatoriedade. A ciência, nos termos de Newton e seus sucessores, trouxe à luz a falsa idéia de que “tudo se encontrava nos limites da capacidade humana de medir, contar e controlar”.A maneira como concebemos o universo e o curso da vida humana vem mudando ao longo do tempo.


Na chamada Idade Média, por exemplo, quando a religião tinha primazia sobre a ciência, acreditava-se que a Terra era plana, que índios, negros e mulheres não tinham alma e que o sol é que girava em torno de nosso planeta. Na Idade Moderna, surgem nomes como Nicolai Copérnico, Johan Kepler e Galileu Galilei, que confrontam e quebram a hegemonia da Igreja, promovem uma revolução no pensamento científico e protagonizam a grande quebra de paradigmas em termos das leis da física que regem o universo. Mais adiante, Isaac Newton descreve em linguagem matemática o que seus antecessores não conseguiram explicar.A partir de então, o universo passa a ser visto como um relógio, e Deus, como o relojoeiro. Isto é, o materialismo determinista afirma que Deus (se é que existe ou é necessário) criou o universo com suas forças e leis fixas, deu corda, colocou a coisa toda para funcionar e depois cruzou os braços, deixando-o seguir seu curso previsível à luz das regras estabelecidas. Os demais eventos, pois, seriam desdobramentos previsíveis.Já o que podemos chamar de idade neo-moderna é a era Albert Einstein (1879-1955). Ele queria se livrar do jugo da religião e, para isso, pretendeu não apenas descrever, mas também compreender e explicar o universo através do código científico, em detrimento dos axiomas religiosos. Suas principais contribuições foram a descrição do átomo como partícula da matéria; a noção de que a luz constitui-se por partículas, os fótons; a idéia da curvatura do espaço; e a Teoria da Relatividade. Einstein provou que havia outros níveis e dimensões da realidade física – o microcosmo, que nada explicava, nem as leis físicas enunciadas por Newton.Daí, chegamos à idade pós-moderna e à física quântica, quando se discute a matéria em níveis ainda menores do que o átomo. Esta mudança de paradigma é ainda mais extraordinária, pois introduz o conceito de consciência pessoal, consciência cósmica e espiritualidade na discussão científica. Por exemplo – de acordo com Bruce Gregory, quando uma árvore cai na floresta, ela faz barulho mesmo que ninguém esteja lá para ouvir, isto é, a realidade existe independentemente de qualquer interferência humana ou de uma consciência pessoal.


Mas, na dimensão quântica (a da matéria sub-atômica), a realidade não existe independentemente de um observador – é o ato de observar que produz a realidade. Assim, quando um físico mede alguma coisa na dimensão quântica, ele altera o valor daquilo que é medido pelo simples fato de estar fazendo a medição – logo, a realidade é parcialmente criada por quem está olhando.Nesse sentido, a ciência deixa claro que existem duas realidades convivendo: a realidade previsível da física newtoniana – a do universo determinado – e a realidade imprevisível da física quântica, que justifica o universo livre. Podemos, por exemplo, medir a distância entre os planetas, o movimento das marés, as fases da lua e os ciclos climáticos com certa exatidão. Mas não podemos afirmar ao certo a posição de um elétron num determinado momento, nem mesmo saber quando uma partícula sub-atômica vai saltar de uma órbita para outra.


O que a física quântica diz é mais ou menos que “o elétron se move como bem entende”. Abre-se, portanto, uma brecha para uma visão não determinista do universo – isto é, um universo afetado pela consciência, onde a realidade é criada por quem a está vivendo.A maioria das pessoas que conheço trata a vida de acordo com os parâmetros da física newtoniana. Vivem fenômenos previsíveis, explicados na relação inexorável de causa e efeito, numa lógica matemática e divinamente determinada. Em outras palavras – tudo o que acontece é da vontade de Deus e pronto. De minha parte, prefiro acreditar que a vida é quântica. Convivemos com certa dimensão de aleatoriedade e liberdade, e nem tudo o que acontece estava pré-determinado. Aliás, a maior parte das coisas acontece porque os atores envolvidos na cena assim o pretenderam, e Deus, mesmo sem abrir mão de sua soberania, apenas permitiu, e não necessariamente causou ou determinou. Isso faz muita diferença. Sobre esta diferença, falaremos na próxima edição – se Deus quiser.

Ed René Kivitz é escritor conferencista e pastor da Igreja Batista da Água Branca, em São Paulo