quinta-feira, 18 de outubro de 2007

A vida é quântica (parte 2)


A maioria das pessoas que conheço trata a vida de acordo com os parâmetros da física newtoniana: os fenômenos são previsíveis, explicados na relação inexorável de causa e efeito, numa lógica matemática e divinamente determinada. Em outras palavras, tudo o que acontece é da vontade de Deus. De minha parte, prefiro acreditar que a vida é quântica – convivemos com certa dimensão de aleatoriedade e liberdade; nem tudo o que acontece estava pré-determinado; aliás, a maior parte das coisas acontece porque os atores envolvidos na cena assim o pretenderam, e Deus, mesmo sem abrir mão de sua soberania, apenas permitiu, e não necessariamente causou ou determinou. Isso faz muita diferença.Prometi continuar falando a respeito desta diferença na edição passada. Entre os dois axiomas – “Deus é a causa de tudo que acontece” e “Deus não tem nada a ver com o que acontece” –, há uma alternativa. A maneira como o Senhor interfere no curso da vida pode ser entendida, em primeiro lugar, a partir do fato de que Deus entregou o universo às suas forças e leis, mas o ato de rebeldia da criatura em relação ao Criador desestruturou tudo que foi criado. A criatura passou a sofrer as conseqüências desta desarmonia cósmica.Mesmo em desequilíbrio, o universo guarda uma ordem, de modo que podemos viver à luz de determinadas regras imutáveis. Em se tratando do universo físico, vale a física quântica e seus derivados como a teoria do caos e a teoria da incerteza: o universo é uma ordem caótica, e a ordem é um caos ordenado. Mas quando falamos do universo social, e de como as criaturas afetam o universo físico, falamos de um desequilíbrio onde somos todos, igualmente, vítimas das imprevisibilidades da criação desequilibrada – notadamente, das criaturas desequilibradas que atuam neste universo. Isso significa que vivemos a era do “já e ainda não”, pois o advento de Jesus Cristo inaugurou o Reino de Deus, isto é, em Cristo Deus começou a restaurar a plena harmonia cósmica. Nesse caso, estamos sujeitos às fatalidades e inexorabilidades do universo que ainda não está totalmente redimido, mas também estamos sujeitos aos atos de misericórdia e graça de Deus e todas as suas possibilidades – visto que o universo já começou a ser redimido. Estamos vivendo o Reino de Deus inaugurado, mas não consumado (vale a pena ler Marcos 1.14, 5 e I João 3.2-8). Podemos, portanto, contar com as interferências de Deus no universo e na vida das pessoas. E temos boas razões para acreditar no Deus que intervém. O Senhor tem um propósito de redenção para a totalidade de sua criação e suas interferências na História equivalem ao exercício de sua vontade soberana, tendo em vista a consecução deste supremo propósito.Enquanto vivemos sujeitos às forças e leis do universo físico, social e espiritual, podemos contar com a ação de Deus em nossas circunstâncias, o que acontece de maneira eventual e imprevisível (às vezes ele faz, e às vezes não faz, e não sabemos explicar esse mistério). Podemos e devemos também contar com a ação do Senhor em nós, o que acontece sempre, pois é sua promessa que “em todas as coisas coopera com aqueles que o amam para trazer à existência aquilo que é bom”, isto é, formar o caráter de Cristo em nós. Na possibilidade da ação de Deus em nosso favor, quer seja em nossas circunstâncias, quer seja em nós, reside nossa segurança e se sustenta nossa fé.O segredo de tudo está na expressão de Paulo aos romanos. Conhecemos bem o famoso “tudo coopera para o bem”. E geralmente o interpretamos com um ditado popular, do tipo “Deus escreve certo por linhas tortas”, ou consolos como “se isso não deu certo é porque Deus tem algo melhor para você”. Tal interpretação, entretanto, é um reducionismo e um equívoco. Prefiro a tradução de rodapé da Nova Versão Internacional: “Sabemos que em todas as coisas Deus coopera juntamente com aqueles que o amam, para trazer à existência o que é bom”. Isso é extraordinário. Deus não é necessariamente a causa de todas as coisas. E também não é o mágico que faz com que tudo de mal que eventualmente nos sobrevenha seja transformado em bem. Mas é necessariamente aquele com quem nos relacionamos no intuito de encontrarmos forças, sabedoria, discernimento e provisão de toda sorte para enfrentarmos e atravessarmos todas as situações de modo a colhermos o que é bom. E o que é o bem, ou bom, deste texto? Está em Romanos 8.29: “Ser transformado à imagem de Jesus, o primogênito dentre muitos irmãos”.Em síntese, Deus não é um manipulador de situações nem um solucionador de problemas. Deus é um parceiro na vida e um solucionador de pessoas. Você caminha por esse mundo sujeito às aleatoriedades que sobrevêm sobre todos os mortais – mas diante da certeza de que Deus está agindo no universo para realizar seu plano eterno de redenção para toda a sua criação, e a sua redenção em particular, pois qualquer que seja a situação que enfrente, o Senhor estará lá, com você, em você. O Espírito Santo, com gemidos inexprimíveis, intercede por você, ajudando-o nas suas fraquezas e moldando você à imagem de Jesus.A vida é quântica. Ninguém pode precisar o dia de amanhã. Deus não o predeterminou. Tudo é possível: chuva ou sol; paz ou guerra. Encontros e despedidas. Boa parte do curso da vida, especialmente no que diz respeito à dimensão física do universo, é previsível e passível de controle e providências de nossa parte. Mas a vida não é assim. Os fatos que estão por vir dependem de nossas decisões e escolhas. Por esta razão, devemos ser responsáveis, passo a passo. A única coisa certa é que os propósitos eternos de Deus não podem ser frustrados. E que a boa mão do Senhor estará sobre nós, zelando para que o propósito eterno que estabeleceu para cada um seja consumado. Por esta razão dormimos em paz: nenhum fio de cabelo de nossa cabeça cairá sem que ele o permita.