quarta-feira, 19 de setembro de 2007

A sedução da teocracia


Recentemente participei de um encontro chamado “Sounds of Hope” (Sons de Esperança), que reuniu líderes cristãos de países predominantemente muçulmanos, como Egito, Líbano e Jordânia. Ouvindo seus relatos de vida como minorias sitiadas numa região turbulenta, vi-me pensando sobre a relação entre o cristianismo e o islamismo.

Há alguns anos, um muçulmano me disse: “Não encontro orientação no Corão sobre como os muçulmanos devem viver como minoria numa sociedade e não encontro orientação no Novo Testamento sobre como os cristãos devem viver como maioria”. Ele pôs o dedo na principal diferença entre as duas religiões. Um, nascido no Pentecostes, tende a florescer transculturalmente e mesmo contraculturalmente, em geral coexistindo com governos opressores. O outro, geograficamente ancorado em Meca, foi fundado, ao mesmo tempo, como religião e Estado.

Em conseqüência, nos países claramente muçulmanos, religião, cultura e política são unificadas. Enquanto nos Estados Unidos as direções das escolas debatem a legalidade de orações não sectárias de um minuto nos jogos de futebol, nos países muçulmanos o comércio e o transporte param tudo para orações cinco vezes por dia. Muitos muçulmanos querem que a lei do Shari’ah seja retirada de escritos sagrados similares ao abrangente código do Pentateuco.

Animado pelo zelo teocrático, o islamismo conquistou três quartos de todo o território cristão durante a Idade Média. Em resposta, os cristãos, que tinham pouca tradição em guerra santa, desencadearam as Cruzadas. Depois, o Ocidente cristão separou Igreja e Estado e promoveu a liberdade religiosa. Ultimamente, a Europa ficou identificada como uma cultura “pós-cristã”. Sem dúvida, não há sociedades “pós-muçulmanas” nas regiões em que o islamismo foi expulso pela força.

A cultura teocrática potencializa a coerção moral, como os cristãos sabem por sua própria história. Na Argélia, islamitas radicais cortam lábios e narizes de muçulmanos que fumam e bebem álcool. Em alguns países muçulmanos, a polícia moral bate publicamente em mulheres que ousam tomar um táxi desacompanhadas de seus maridos ou dirigir sozinhas seus carros. O adultério ou a conversão ao cristianismo pode redundar em pena de morte.

Os cristãos no Oriente Médio não se opõem a todos os rigores morais do islamismo. Um egípcio me disse que um homem não se hospeda num hotel com a mulher enquanto não provar que é sua esposa – uma prática que ele apóia –, e o mesmo pensa sua esposa. Muitos cristãos com quem conversei prefeririam criar seus filhos numa sociedade islâmica bem guardada do que nos Estados Unidos, onde a liberdade geralmente leva à decadência.

O sentimento de uma cultura unificada pervade todos os níveis da sociedade islâmica, a começar pela família. Um bom muçulmano coloca o grupo acima do indivíduo. Compreender isto – diz um americano que vive no Egito – pode ajudar a explicar o ultraje e a violência que eclodiram por causa das charges dinamarquesas sobre o profeta Maomé.

O fundamento da sociedade árabe não é o indivíduo, mas a comunidade; primeiro, a família, depois a família ampliada ou o clã, depois a comunidade religiosa e, de vez em quando, a nação.
Segundo essa visão, se os chargistas da Dinamarca (a “comunidade dinamarquesa”) insultaram o Islã e seu profeta e se os líderes não repudiaram a atitude, então os muçulmanos interpretam que o líder e os dinamarqueses apóiam os cartões e os insultos. Embora o primeiro-ministro dinamarquês tenha publicamente manifestado sua desaprovação às charges, também lembrou que isto não era ilegal na Dinamarca por se tratar de liberdade de expressão e imprensa para os indivíduos. Ironicamente, esta declaração foi interpretada pela comunidade islâmica como uma defesa e um apoio às charges.

As duas cosmovisões culturais não conseguem uma compreensão mútua. Ouvir sobre a cultura islâmica em primeira mão aumentou minha compreensão, mas, ao mesmo tempo, me deixou preocupado com minha própria sociedade. Será que teremos que criar nossa própria versão de fundamentalismo severo a exemplo do islamismo contemporâneo?


Autoria:Philip Yancey -(Tradução de Israel Belo de Azevedo)