domingo, 26 de abril de 2009

Viajando com Wesley


Fiz uma viagem de dez dias pela Grã-Bretanha para promover um livro recente. Para minhas leituras matinais, levei comigo o “Diário”, de John Wesley, do incansável evangelista. Em algumas manhãs, eu li a jornada de Wesley a uma cidade como Bristol ou Dudley, que eu iria visitar naquela mesma tarde. Nossa, que diferença!

Eu viajava em um carro confortável e falava para uma audiência amigável em eventos pagos. John Wesley viajava a cavalo, debaixo de chuva e neve, falava quatro ou cinco vezes por dia para grandes audiências em locais abertos e enfrentava oponentes que freqüentemente o recebiam com palavras profanas e pedras.

Terminei de ler o diário de Wesley, impressionado com sua resistência física, seu estilo de vida austero e sua dedicação absoluta aos grupos de crentes espalhados por toda a Grã-Bretanha. Mas não pude deixar de perceber a falta de apreciação que Wesley tinha pelas belezas e riquezas culturais que abundam nessa nação.

Ao notar um lindo jardim de flores, ele rapidamente falou: “O que pode encantar sempre, senão o conhecimento e o amor de Deus?” Visitando uma das grandes casas históricas da Inglaterra, notou: “Não demorará muito para que esta casa, sim, e toda a terra sejam queimados!” E depois de se maravilhar com os talentos de um organista cego, acrescentou: “Mas de que adianta ser melhor em tudo isso, se ainda estiver ‘sem o Deus do mundo?’”


Nem mesmo o British Museum deixou nele uma boa impressão. Diante de uma coleção extraordinária, Wesley escreveu: “Mas que explicação um homem dará ao juiz dos vivos e dos mortos por uma vida gasta colecionando todas essas coisas?”

Resumindo, Wesley via a graça comum da beleza e da cultura com uma atitude que se aproximava do desdém. Mais de uma vez escrevi nas margens do livro: “Relaxa, John”! (Só que pelos padrões dos ascetas que viviam em cima de postes e comiam apenas pão e água, John Wesley era um esteta [um apreciador das coisas belas da vida].)


Pouco antes, eu tinha lido a penetrante parábola de Anthony de Mello sobre um grupo de pessoas viajando por um glorioso interior em um ônibus com cortinas cobrindo todas as janelas. Focadas no destino, perderam todas as maravilhas do lado de fora e ficaram brigando pelos melhores bancos.

Um dos maiores desafios como cristãos é organizar nossos desejos, de modo a manter equilíbrio apropriado entre nossos interesses por este mundo e pelo próximo. Como gostar desta vida com as dádivas da arte, da beleza, da música e do amor e, ao mesmo tempo, servir os pobres e guardar tesouros para o reino que virá?

A Igreja não está sozinha nessa luta para encontrar um equilíbrio. Em outros lugares, o hinduísmo, o islamismo e o budismo, como todas as religiões, têm seitas que matam de fome e torturam os corpos para alcançar mérito. Entretanto, aqueles que não têm nenhum interesse pela vida futura não são bons em organizar seus desejos (como o demonstram os milhões que lutam contra os vícios).

De maneira alguma quero depreciar John Wesley, que demonstrou o compromisso radical necessário para mudar o mundo. Ele viajou 650 quilômetros em transporte precário e pregou uns 40 mil sermões, acendendo o fogo do reavivamento na Europa e nos Estados Unidos, fogo que queimou por séculos. Ele literalmente pegou a ordem de Jesus de “não guardar para si os tesouros da terra”.

Wesley, certa vez, falou sobre o perigo da riqueza: “Temo que onde a riqueza aumentar, a essência da religião cairá na mesma proporção. Assim, de forma natural, não vejo como um reavivamento da religião possa continuar por muito tempo. Porque a religião deve produzir, ao mesmo tempo, esforço e frugalidade, que não produzem riqueza. Ao mesmo tempo em que a riqueza aumenta, aumentam também o orgulho, a raiva e o amor pelas coisas do mundo”.

Bebericando um chá, certa tarde, com um próspero líder cristão em uma amável igreja inglesa, aprendi que, se a tendência atual continuar, não haverá mais metodistas na Inglaterra em 30 anos. Meus pensamentos se voltaram para meu próprio país, o mais rico do mundo, e, ainda, pelo menos até agora, um dos mais religiosos. O que os historiadores aprenderão sobre a Igreja americana atual daqui a 200 anos?


Uma citação de G. K. Chesterton veio à minha mente: “É sempre simples cair: há uma infinidade de ângulos para se cair, mas apenas um para se levantar”.


Philip Yancey / é um escritor e jornalista cristão americano. Seus livros venderam mais de 14 milhões de cópias, desde a sua estréia em 1977 e são lidos em 25 idiomas pelo mundo todo, fazendo dele um dos mais vendidos autores cristãos. Premiado duas vezes com o "Melhor livro do ano" pela ECPA, além de outros prêmios, Yancey colabora com a revista Christianity Today, como editor associado.