segunda-feira, 23 de junho de 2008

Graça Preveniente – Uma Visão Wesleyana

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O campo comum sobre o qual nós como teólogos evangélicos opinamos é importante, e discutir na área de nossos acordos é de grande valor. Apesar de concordarmos que a Palavra de Deus é infalivelmente verdadeira, nossas mentes falhas muitas vezes viajam em caminhos divergentes na tentativa de alcançar a verdade. A comunhão cristã, então, é baseada mais no amor e no entendimento que na completa concordância em todas as doutrinas.


A discussão ocasional de algumas de nossas diferenças também se revela útil visto que recebemos um melhor entendimento uns dos outros. Conhecer e apreciar a visão do outro, sempre quando um não concordar com o outro, constrói o amor cristão e a comunhão no Espírito Santo. Esta é a razão para este artigo sobre a graça preveniente ter sido preparado. É esperado que este esforço traga um maior entendimento das diferentes ênfases em círculos Wesleyanos.


1. A graça preveniente é a graça comum ou universal. John Wesley usou a palavra “preveniente” que em seus dias significava “vir anteriormente.” Esta graça que vem antes da salvação é dada a todo o homem. Wesley escreveu:


Todas as bênçãos que Deus tem concedido ao homem são de Sua simples graça, doação ou favor; Seu favor gratuito imerecido; favor completamente imerecido; não tendo o homem direito à menor de Suas misericórdias. Esta é a graça gratuita que “formou o homem do pó da terra, e soprou nele uma alma vivente e imprimiu em sua alma a imagem de Deus, e pôs todas as coisas sob seus pés.” Esta mesma graça gratuita continua para nós nestes dias, vida, respiração e todas as coisas. Não existe nada que somos, tenhamos ou façamos que justifique a mínima coisa das mãos de Deus. “Todo nosso trabalho, Tu, ó Deus, tens feito em nós.” Estas, portanto, são tantos mais exemplos de gratuita misericórdia: qualquer integridade que possa ser achada no homem, isto também é dom de Deus.


A graça preveniente é revelada no providencial cuidado de Deus por todas as Suas criaturas. Paulo reconheceu isto quando disse: “porque nEle vivemos e nos movemos e temos existido” (At 17.28). O homem caído no pecado teria finalizado a graça providencial de Deus por ele se não existisse o gracioso plano de redenção. Agora, para o homem caído, aquela graça continua a fluir a fim de completar o divino propósito da redenção. Existe continuidade entre a graça providencial para todos e a graça que orienta para a salvação.


Para Wesley, a própria existência da humanidade era dependente da graça de Deus. Tivesse o castigo pela queda de Adão no pecado acontecido sem misericórdia, Adão teria morrido e a humanidade perecido com ele. Assim, a vida física propriamente dita e todas as bênçãos resultantes dela são um direto resultado desta graça. A graça de Deus está em todo homem, não no sentido de haver nascido com ele, mas de ser “infundida” nele. Ao ímpio é dado na mesma medida um conhecimento de Deus e uma consciência que carrega a indicação do certo e do errado. Wesley escreveu que o “primeiro sinal real do bem vem do alto tanto quanto o poder que o conduz até o fim.” É Deus quem “infunde todo bom desejo” e ainda o acompanha e o segue. Assim, um homem pode ser de um compassivo e benevolente espírito, ser amável, gentil, ter classe, fazer boas ações e sempre atender a igreja. Tudo de bom resulta da graça preveniente.


Esta graça contém todas as qualidades atribuídas à graça comum pelos Reformadores. O Dr. M. Eugene Osterhaven em seu excelente artigo sobre a “Graça Comum” descreve a obra geral da graça de uma maneira muito similar ao entendimento Wesleyano da graça preveniente. A graça comum, de acordo com o artigo, “restringe o pecado de forma que a ordem é mantida e a cultura e a integridade são promovidas.” Deus faz isto refreando o pecado na vida do indivíduo e da sociedade. “Deus por Sua providência reprime a teimosia de nossa natureza de manifestar-se em atos externos.” O Dr. Osterhaven vai mais além em salientar que a graça comum habilita o homem a fazer algo bom. Deus não tem desamparado completamente a humanidade, mas continua a lhe dar abundante evidência de Sua compaixão. O homem é habilitado a fazer certas coisas boas por causa da providência geral e benção de Deus em direção a todo homem.


Embora os ensinamentos da graça comum e da graça preveniente tenham muito em comum, a diferença essencial é vista no ponto onde a graça comum e a graça especial são entendidas pelos Calvinistas como essencialmente diferentes. Os Wesleyanos ensinam que a graça preveniente leva à graça salvadora, prepara para ela, habilita a pessoa a adentrar nela. A diferença entre as duas para os Wesleyanos seria em grau e não em tipo.


2. Ela é ministrada através do Espírito Santo. Freqüentemente a graça é vista como um favor imerecido de Deus, o que de fato é. Mas esta graça é também vista ser um poder operativo de Deus na vida dos homens. Por esta razão, existe uma relação fechada entre a atuação do Espírito Santo e a graça de Deus.


Um recente livro intitulado With the Holy Spirit and With Fire, de Samuel M. Shoemaker, enfatiza este aspecto da graça muito claramente. Dr. Shoemaker escreveu:


Eu penso nEle como o centro vagueante de toda a atividade de Deus no mundo. Ele é o Inspirador de toda a verdade – filosófica, científica, prática, tanto quanto a espiritual. Ele é o Criador de toda a beleza, seja ela canalizada através de instrumentos dignos ou não... Ele é o Autor de toda verdade em toda parte – é dEle o conhecer e o dispensar. Ele está em toda obra de misericórdia, em toda boa e gentil vida, em toda reconciliação entre pessoas ou grupos ofendidos, em toda elevação do espírito de pessoas postas à prova ou em sofrimento. Em tudo de bom que os homens parecem fazer, encontraremos uma mão invisível a agir em motivação a isto e dando graça para conduzir isto continuamente. No mais obscuro e pior dos homens, qualquer centelha de bondade subsistindo para ser tocada, ela é o Espírito Santo. Ele é mais penetrante que o éter. Ele é Deus em Sua total extensão, muito engenhoso e muito hábil nos mais vastos aspectos. Ele é Deus em Seu mais exato e íntimo aspecto. Em Sua própria gentil maneira, Ele está tomando a iniciativa conosco.


Se concordamos com o Sr. Shoemaker em toda a sua afirmação ou não, suas idéias são instrutivas. Antes que manter que o bem encontrado no homem à parte da salvação é uma bondade restante da queda do homem, o Arminianismo-Wesleyano sempre ensinou que Deus sobrenaturalmente restituiu a todos os homens uma porção do Seu Espírito Santo através da graça que flui do Calvário. O Dr. L. M. Starkey em seu estudo sobre a Teologia Wesleyana enfatiza o fato de que Wesley identificou a graça de Deus com o poder do Espírito Santo na vida humana. Qualquer bem achado no governo ou em qualquer pessoa seria um resultado da presença do Santo Espírito de Deus. Visto que Ele é o Espírito da verdade, então qualquer verdade que venha para a humanidade, até mesmo à parte do Cristianismo, é um resultado do Espírito Santo. De fato, algum conhecimento de Deus é infundido na mente dos homens pelo Espírito Santo. A própria existência da lei natural bem como sua aplicação, até mesmo pelos homens sem Deus, não pode ser separada da obra do Espírito Santo. Desta maneira, uma quantidade de graça é ministrada a todos os homens pelo Espírito Santo de Deus, tendo eles a Escritura ou não.


3. Ela leva à salvação. Embora os Wesleyanos possam consentir que tudo o que é afirmado para a graça comum pode também ser afirmado para a graça preveniente, todavia eles defendem que o propósito primário da graça preveniente não é restringir o pecado e dar bons desejos e bênçãos ao homem; esta graça é dada a fim de levar os homens ao arrependimento e à salvação. O propósito primário de Deus em permitir a existência da raça humana é trazer os homens à salvação. Wesley escreveu:


Por admitir que todas as almas dos homens estão mortas no pecado por natureza, isto não justifica ninguém, visto que não existe nenhum homem no estado de mera natureza; não existe nenhum homem, a não ser que tenha extinguido o Espírito, que esteja absolutamente vazio da graça de Deus. Nenhum homem vivo é inteiramente destituído do que é vulgarmente chamado de consciência natural. Mas isto não é natural: é mais apropriadamente chamado, graça preveniente. Todo homem tem uma maior ou menor quantidade desta, que não espera pelo convite do homem. Todos têm, cedo ou tarde, bons desejos; embora a maioria dos homens sufoque-os antes deles poderem enraizar-se ou produzir algum fruto considerável. Todos têm alguma quantidade dessa luz, algum fraco raio lampejante que, cedo ou tarde, mais ou menos, ilumina todo o homem que vem ao mundo. E todos, a não ser que ele seja um dos poucos cuja mente está cauterizada com ferro quente, sente mais ou menos incômodo quando age contrário à luz de sua própria consciência. De forma que ninguém peca porque não tem graça, mas porque não faz uso da graça que tem.


Wesley não teve dificuldade em descrever a queda do homem em termos bem sombrios. A queda corrompeu a natureza humana e tornou o homem completamente destituído de qualquer glória moral com que foi criado. Por natureza, o homem está completamente caído. O pecado original envolveu o homem em culpa e o expôs à ira de Deus. A ira de Deus descansou sobre a raça humana por causa do pecado de Adão. Por natureza, todos são filhos da ira. Mas enquanto Wesley viu este lado negro e escuro do homem, ele também viu essa graça preveniente dada a todo homem, e lançando fora a pena pelo pecado herdado de Adão.


Por causa da graça de Deus, nenhum homem será punido pelo pecado de Adão. A todo homem é dado um novo começo através da graça. John Fletcher insistiu que, por este dom gratuito a todo homem, Deus tem garantido incondicional perdão para o pecado original. Eldon Fuhrman afirma que, por este entendimento da justificação de todo homem pela graça de Deus, Wesley admitia a excessiva pecaminosidade do pecado original com seu completo castigo de um lado e, do outro lado, exaltava a obra expiatória de Cristo. “Isto o absolveu da fraqueza dos Semi-Pelagianos, que negavam a completa força do castigo; e também o salvou das extremas conclusões para a qual a liderança federal de Adão tinha sido levada.” Surgindo deste benefício da graça preveniente, existe a doutrina de que todas as crianças que morrem na infância são redimidas através da graça gratuita de Deus e todas as outras pessoas que são incapazes de fazer escolhas.


A salvação inicia com a graça preveniente e continua até a glorificação final. Wesley escreveu:


A salvação começa com aquilo que é geralmente chamado (e muito apropriadamente) de graça preveniente: incluindo o primeiro desejo de agradar a Deus, a primeira aurora de luz relativa à Sua vontade, e a primeira efêmera convicção de ter pecado contra Deus. Tudo isto implica alguma tendência em direção à vida; algum grau de salvação; o início da libertação de um cego e insensível coração, completamente inconsciente de Deus e das coisas de Deus. A salvação continua pela graça convincente, geralmente chamada na Escritura de arrependimento: que traz uma maior quantidade de conhecimento próprio, e uma mais completa entrega do coração de pedra. Depois experimentamos a própria salvação cristã; segundo a qual “pela graça” “somos salvos por meio da fé;” consistindo das sublimes ramificações, a justificação e a santificação.


Assim, a salvação do homem é dependente da resposta do homem, pela graça preveniente, à graça salvadora de Deus.


4. Ela proporciona responsabilidade pessoal. Apesar de algumas pessoas que dizem ser Wesleyanas mostrem-se Semi-Pelagianas, ninguém, com exatidão, pode acusar John Wesley de cair nesta categoria. Como já relatado, ele descreveu a queda do homem em termos muito negros. Por natureza, o homem não recebe nada que seja bom. De fato, ele é completamente inabilitado a fazer uma boa escolha de qualquer tipo através da natureza. Ele é livre, mas livre só para fazer o mal e a seguir no caminho do pecado. Da natureza ele não recebe nenhuma sugestão de bondade dentro de si mesmo. Não existe bom desejo que venha por meio do nascimento. Ele é totalmente depravado e totalmente inabilitado.


Contra esta negra figura, entretanto, Wesley então dá lugar à graça preveniente fluindo na vida de toda pessoa. É o poder do Espírito Santo de Deus erguendo esse indivíduo acima do que ele havia recebido por meio do nascimento e criando nele um início de vida que o guiará para a vida além, se ele responder a este. Neste sentido toda pessoa tem um grau de vida divina não herdada no nascimento.


Na prática, então, a verdadeira liberdade do homem vem pela graça. À parte da graça preveniente, o homem não poderia ter nenhuma liberdade, exceto liberdade para o mal. Não existiria nenhum poder nele mesmo para escolher o bem ou para até mesmo conhecer o bem. A graça preveniente providencia tanto o incentivo para seguir o bem, o conhecimento do bem e até mesmo o poder para escolher o bem.


É por esta razão que se pode atribuir ao homem o poder para fazer sua própria escolha no que diz respeito à salvação. O próprio poder para fazer esta escolha vem da graça de Deus. Com o poder de escolher a salvação vem também a oferta da graça salvadora. Mas o homem ainda é capaz de rejeitar a salvação oferecida a ele. A graça que é providenciada não é irresistível. O homem pode reagir à graça favoravelmente, segui-la e ser salvo ou ele pode rejeitá-la, colocar-se longe dela, e achar-se mais e mais escolhendo o mal de sua própria natureza. Desta maneira, o homem propositadamente peca em rejeitar a graça dada a ele, ou ele pode viver obediente pela graça que lhe foi dada.


Wesley não atribuiu ao homem um poder natural para fazer boas escolhas, nem ensinou que a escolha de uma salvação individual dependia completamente de Deus. O homem tem uma inabilidade total que é somada à gratuita graça de Deus. Ele faz uma escolha correta pela graça que Deus tem dado a ele. A habilidade para escolher é uma habilidade graciosa.


Com esta graça dada a ele, o homem pode cooperar com Deus. Wesley fixa a verdade “sem mim, nada podereis fazer” ao lado das palavras “posso todas as coisas em Cristo que me fortalece” (Fp 2.12, 13). Então, ele proclama “Aqui a maldição é dissolvida! A luz penetra, e as trevas desaparecem.” Deus uniu estes dois, e não deixa que ninguém os separe. Wesley descreveu a reação do homem a esta graça como segue:


Portanto nós podemos... concluir a absoluta necessidade desta reação da alma (ou como quer que se chame) a fim da continuação da vida divina nela. Pois claramente se percebe que Deus não continua a agir na alma a menos que a alma reaja a Ele. Deus nos guia, de fato, com as bênçãos da Sua bondade. Ele nos amou primeiro e manifestou-se a nós. Enquanto estamos, não obstante, muito distantes, Ele nos chama para si mesmo, e ilumina nossos corações. Mas se nós, então, não amarmos Aquele que nos amou primeiro; se não atendermos à Sua voz; se voltarmos nossos olhos para longe dEle e não atentarmos para a luz que Ele derramou em nós; Seu Espírito não lutará sempre: Ele gradualmente se retirará, e nos deixará às trevas de nossos próprios corações. Ele não continuará a soprar na nossa alma a menos que nossa alma respire em direção a Ele novamente; a menos que o nosso amor, e súplica, e graças voltem-se para Ele, como um sacrifício com o qual Ele se agrada bem.


Aqui está uma forma de sinergismo entendida no meio de um monergismo. Inicialmente Deus age e depois que sua ação começa, então é possível ao homem cooperar com Ele.


5. Ela preserva o sola gratia e o sola fide. O modo no qual o sola gratia é preservado pode agora ser visto. Visto que o homem nada podia fazer sobre sua própria salvação até mesmo no sentido de responder a ela, exceto através da graça que é inicialmente dada a ele por Deus, então, sua própria reação a essa graça é da graça. Embora a graça não seja a causa de sua correta reação, ela certamente é a razão pelo qual ele reage a Deus e se entrega à mais graça. Quando a salvação final é obtida, uma pessoa pode olhar para trás e dizer, “Foi a graça que me trouxe ao lar.” Tal graça dispensa toda idéia de algum mérito humano por qualquer ato que o homem tenha consumado, até mesmo sua ação de livre-escolha em crer para a salvação. Todo o mérito é através da graça de Deus, em Jesus Cristo, o nosso Senhor. Neste sentido é somente pela graça que o homem é salvo.


Ao mesmo tempo, a idéia do sola fide é preservada. A graça preveniente, na verdade, dá mais lugar ao sola fide do que pode ser encontrado nos decretos eternos. Wesley não pôde entender por que seus amigos Calvinistas acusaram-no de não ensinar o “pela fé somente.” Isto o incomodou consideravelmente até o dia que um súbito pensamento atravessou sua mente. Ele o expressou desta maneira:


Fiquei perplexo quando um pensamento cruzou minha mente como um tiro, o qual resolveu a questão de uma vez. Esta é a chave: aqueles que afirmam “todos estão absolutamente predestinados para salvação ou para perdição” não vêem nenhum meio-termo entre a salvação por obras e a salvação por decretos absolutos. Segue que, qualquer que nega a salvação por decretos absolutos, fazendo assim (de acordo com suas percepções) afirma a salvação por obras.


E nisto eu verdadeiramente acredito que eles estão certos. Tão adverso como uma vez estive ao pensamento, após mais consideração, eu admito que não há, não pode haver, nenhum meio-termo. A salvação é por decreto absoluto, ou é (num sentindo bíblico) por obras.


Wesley declarou que nenhum dos dois pode ser por fé, pois o “Decreto incondicional exclui tanto a fé quanto as obras.” Se a salvação é pelo decreto de Deus, então ela não pode ser pela fé como uma condição para a salvação. Os Wesleyanos acreditam que a graça preveniente capacita a pessoa a se arrepender e crer, e visto que o homem pode rejeitar ou aceitar mais graça, sua salvação é dependente de sua fé em Cristo, não de um decreto eterno, e esta fé é uma atividade humana.


Em conclusão, então, a graça preveniente não só restringe o pecado no homem, mas eleva todo homem ao ponto da salvação. Ele pode, por esta graça, escolher maior graça que o guiará para a salvação, ou ele pode rejeitar a graça. Assim, a salvação é “pela graça por meio da fé,” e todo o plano é dom de Deus.