sábado, 30 de agosto de 2008

Que avivamento é esse?

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“Peça! Qualquer coisa que você quiser. Por exemplo, a sua casa própria. Mas não de qualquer jeito. Antes, pense como você a quer. Imagine-a como um sobrado no estilo casarão, pintada de branco, com janelas de madeira e um lindo jardim com rosas, margaridas e uma árvore frondosa, sob a qual é possível descansar deitado no verde gramado.” O pensamento pode não ter durado mais do que os 15 segundos que você levou para chegar até aqui. Mas certamente terá efeito duradouro. E quem garante isso não são os gurus do pensamento positivo. Na verdade, o que você acabou de ler acima é uma pregação que já pode ser ouvida nos púlpitos de muitas igrejas evangélicas brasileiras. Cada vez mais, ensinos e teorias tão diversificados quanto contrários à chamada ortodoxia – a teologia mais conservadora – mudam a cara do cristianismo brasileiro. Como a “visualização”, em que a pessoa projeta em sua mente aquilo que quer, essas doutrinas entram com extrema sutileza para satisfazer necessidades temporais. Em geral, estão intimamente ligadas a teorias contemporâneas, modernas e pós-modernas. O nome que recebem dentro das faculdades teológicas e templos, espelha bem a mistura: Teologia Narrativa, Teísmo Aberto, Teologia da Esperança, Ortodoxia Generosa, Teologia Quântica, Evangelho da Auto-ajuda. Enquanto seus defensores exaltam suas virtudes, afirmando tratar-se de uma renovação na Igreja, diversos especialistas alertam: realmente a religião, depois desses ensinos, não será mais a mesma. Mas isso, porque está se distanciando do cristianismo bíblico e rumando para a heresia.

Nessa caminhada, um dos casos mais emblemáticos é o do pensamento positivo. A fórmula simples - “pense, acredite, receba” -, apresentada no livro O Segredo pela australiana Rhonda Byrne, já conseguiu convencer multidões mundo afora de que é possível conseguir a cura de doenças, a realização de grandes paixões e adquirir jóias e fortuna como num passe de mágica. “No momento em que você deseja alguma coisa, e acredita, e sabe que já a tem no invisível, o Universo inteiro se move para deixá-la visível”, defende a própria Rhonda, que alega ter redescoberto essa “verdade” milenar junto a sábios, filósofos, cientistas e gente de sucesso. A febre causada pelo tal segredo é tamanha que mais de 2 milhões de cópias em DVD e outros 13 milhões de livros foram vendidos no mundo todo.

Rhonda transformou-se no exemplo máximo da fórmula, sendo apontada como uma das 100 pessoas mais influentes do mundo pela revista Time e amealhando uma fortuna estimada em US$ 50 milhões. Não é um caso isolado. Com roupagem científica e nome pomposo, a “lei da atração” hoje é divulgada por nomes como Esther Hicks, Michael Losier, Deepak Chopra em livros e filmes com nomes sugestivos do tipo Quem Somos Nós?.

Tolice ou não, a questão é que, diante de tamanho sucesso, muitos cristãos se perguntam como algo assim não foi registrado nas páginas da Bíblia. E a surpresa maior vem ao encontrar teólogos que garantem que esse mistério divulgado por Rhonda Byrne e companhia não é tão antigo nem secreto. Pelo contrário, sempre esteve nas Escrituras. Só que agora ganhou nome: Teologia Quântica. “A visualização encontra paralelo na Bíblia quando Jesus manda pedirmos em seu nome e crermos que já o temos recebido. A grande diferença é que os proponentes do pensamento positivo afirmam que todos podem ter tudo que quiserem – felicidade, riqueza, saúde. Mas esquecem de algo essencial: se isso é da vontade de Deus”, explica o pastor Ed Gungor, em seu livro Muito Além do Segredo.

Mas talvez a diferença não seja tão grande como pareça. O recurso à tradição cristã é algo comum na auto-ajuda. Um dos “clássicos” do gênero, O Poder do Pensamento Positivo, de 1952, foi escrito por um pastor metodista, Norman Vincent Peale. No livro, Peale faz uma relação direta entre fé e prosperidade, com direito a outras tantas máximas da Bíblia como “se Deus é por nós, quem será contra nós?”, extraída da Carta aos Romanos. Já O Segredo é mais parcimonioso na citação das Escrituras, mas confunde-se com a Teologia Quântica quando tenta dar um verniz científico a suas proposições. Ambos são inspirados em teorias contemporâneas, como os estudos da Física Quântica. Segundo os cientistas, partículas subatômicas como os elétrons podem se apresentar tanto como ondas de energia como objetos muito pequenos. Depende do observador. Já seus movimentos são imprevisíveis: ele pode aparecer em um momento num lugar e no outro estar no lado oposto. Da mesma forma é o homem, que recebe de Deus o livre-arbítrio e a capacidade de mudar os projetos divinos pela oração.

No afã de justificar suas posições, há até quem cite uma das mais famosas ilustrações da Teoria do Caos, segundo a qual uma borboleta que bate as asas no Japão pode causar, numa sucessão de eventos, um tornado no Brasil. Esse seria o efeito de uma oração feita com fé, ainda que pequena como um grão de mostarda. “Infelizmente, esse tipo de coisa é um grande erro cada vez mais enraizado nas igrejas. Os princípios são os mesmos do pensamento positivo, só muda o fornecedor que, em vez de ser o Universo, passa a ser Deus”, analisa Moisés Olímpio Ferreira, professor do Seminário Batista Nacional e do Instituto Betel de Ensino Superior (Ibes).

Para muitas igrejas que já se adaptaram a preceitos da Teologia da Prosperidade e à confissão positiva – segundo os quais o fiel deve determinar ou “profetizar” sua benção –, esse tipo de ensino cai como uma luva. “Não dá para tratar como se fosse restrito a uma corrente doutrinária. Esse pensamento religioso espelha o mundo em que vivemos e, de maneira sutil, afeta denominações tradicionais, pentecostais e neopentecostais. Deus se tornou o cumpridor de nossos desejos e o púlpito um manual de auto-ajuda para ser feliz sem sofrimento”, observa Ferreira, antes de complementar: “Hoje, a preocupação da Igreja não deve ser tanto com a santidade, mas com a sanidade daquilo que está pregando e ensinando”.

Novas e velhas heresias

– Em mais de 20 séculos de história, a doutrina cristã sempre conviveu com as heresias, aqueles ensinos contrários a outros cujas origens remontariam ao próprio Jesus e seus apóstolos. Nos dois primeiros séculos, os gnósticos também tomavam a filosofia emprestada para ensinar que a matéria é má e negar a encarnação de Cristo, provocando muitas divisões entre os crentes. O sabelianismo surgido no século 3 é outra doutrina que causou confusão durante muito tempo ao afirmar que o Pai, o Filho e o Espírito Santo eram apenas aspectos distintos de uma única pessoa. No século 4, foi a vez do arianismo dizer que Jesus era apenas uma criatura um pouco superior feita por Deus. Mais um tempo depois e o pelagianismo começou a propagar a tese de que o homem nasce neutro, sem justiça ou pecado, e que são seus esforços que determinarão para onde irá. A graça de Deus facilita a difícil tarefa da salvação.

Nunca, no entanto, houve tamanha profusão de ensinos heterodoxos de uma só vez, como na atualidade. Detalhe: a maioria divulgada de forma sutil, diluída em sensações e experiências. Velhas idéias como as gnósticas ressuscitaram devido à descoberta de textos antigos como O Evangelho de Judas e a romances pseudo-históricos como O Código Da Vinci. Somaram-se a outras como a do Teísmo Aberto, que ganhou nova roupagem. Apesar de ser um fenômeno com mais de três décadas, no Brasil alguns desses ensinos se tornaram mais populares depois do tsunami que devastou a Indonésia no final de 2004.

Na ocasião, blogs de autores cristãos na Internet passaram a fomentar o debate: como um Deus amoroso permite a morte violenta de tanta gente? Para explicar a diferença entre esse atributo e o mundo real, a resposta encontrada foi que não é que Deus não queira salvar as pessoas, mas não pode. Apesar de ser todo-poderoso, ele criou o ser humano com liberdade. Para preservar isso, voluntariamente limita seu conhecimento do futuro, o que o impede de saber se alguns eventos vão acontecer.

Em parte, ensinos desse tipo são uma reação ao determinismo e ao controle enfatizados ao extremo pelas grandes denominações protestantes. Surgido no final da década passada, o movimento conhecido como Igreja Emergente é talvez um dos mais representativos desse novo momento do cristianismo. Insatisfeitos com sua vida espiritual e cansados do controle, estrutura e tradição das denominações tradicionais, grupos passaram a se reunir em casas, restaurantes e cafés nos Estados Unidos buscando nessas comunidades novas formas de espiritualidade. Uma de suas principais peculiaridades é buscar a união em torno de ações e características apreciadas por todos nas diversas correntes, como pode ser visto em obras como Uma Ortodoxia Generosa, do pastor Brian McLaren.

“O que houve foi uma reação à direita cristã conservadora nos Estados Unidos. Porém, uma reação que vai contra a própria fé e não contra os abusos e erros cometidos. Como o Brasil tem tradição em assimilar rapidamente o que vem de fora, uma cultura da imitação, diversas lideranças têm incorporado às suas convicções o ideário da esquerda cristã dos EUA e de Europa”, explica o pastor e professor Paulo Romeiro, do Departamento de Pós-Graduação em Ciências da Religião da Universidade Mackenzie, em São Paulo. São essas idéias que trazem a nova onda de liberalismo teológico. “Nem tudo é devido ao neopentecostalismo. O triunfalismo neopentecostal não consegue viver sem um Deus onipresente. Apresenta falhas de interpretação, mas não duvida da Bíblia”, completa ele.

Na Igreja brasileira, porém, não são apenas as novas teologias que ganham espaço. Os modismos, quase sempre carregados de ensinos estranhos, aparecem em profusão. Engana-se quem pensa em batalha espiritual ou no movimento G12 com suas variações da cura interior e a suspeitíssima regressão psicológica, como as últimas novidades teológicas por aqui. “A indústria do entretenimento é muito forte na Igreja. Algo bem típico é a invasão dos festejos juninos nesses últimos anos. Diversas igrejas já fazem o seu arraial de Jesus. A sociedade não comemora datas bíblicas, mas a Igreja comemora as datas da sociedade, inclusive as religiosas”, observa Romeiro.

A área musical é outra que enfrenta dificuldades com modismos. Se um bem ensaiado grupo de coreografia durante os momentos de adoração pode elevar a espiritualidade do público, sua repetição durante todo o culto causa distração e afasta a pessoa da mensagem. A invasão dos corinhos, que na maior parte das igrejas pentecostais e neopentecostais substituíram os hinos por canções com longas e pasteurizadas repetições, também é muito criticada. Sem falar no messianismo de algumas lideranças evangélicas, quase adoradas pelos fiéis, e na sempre problemática questão financeira. “Se houvesse algum modo de tirar o dinheiro da história, acredito que muitas igrejas simplesmente deixariam de existir”, diz Paulo Romeiro, acrescentando que falar sobre sofrimento, renúncia e mundanismo passou a incomodar os protestantes. “Sabemos reunir muita gente em eventos, mas não conseguimos reunir mais as pessoas ao redor da cruz. Costumo dizer que o problema do Brasil não é se curvar a Baal, mas a Mamon, o deus que simboliza as riquezas”.

Crescimento qualitativo ou quantitativo?

– Nunca houve um crescimento tão expressivo dos evangélicos no Brasil como o que se observa no presente. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), há pouco mais de 20 anos, quase 90% da população do país se dizia católica. Os protestantes eram inexpressivos. Na virada do século, o número de crentes já havia crescido consideravelmente e representava 16% dos brasileiros. Atualmente, segundo pesquisa do Instituto Datafolha, os evangélicos já chegam a 22% ou 40 milhões de pessoas. Desses, a grande maioria são pentecostais, com uma prática religiosa focada nos problemas do dia-a-dia e um forte proselitismo.

O número de evangélicos é ainda mais expressivo se consideradas apenas as periferias das grandes cidades, locais onde há mais pobreza e segregação racial. Nesses bolsões, 29% dos habitantes se declaram evangélicos, contra 55% que afirmam ser católicos. Se confirmados outros dados, dessa vez da fundação norte-americana Pew Forum, de que 45% dos pentecostais brasileiros se converteram a partir do catolicismo, a previsão é de que em menos de vinte anos, a maior parte do povo brasileiro seja evangélico. Por conta desses números, muita gente não duvida em afirmar que o Brasil passa por um grande avivamento.

Será? “Estão distorcendo e banalizando o significado de avivamento. Na história, os avivamentos sempre trouxeram mudanças para a sociedade, como diminuição da violência e da corrupção. Não vemos isso no Brasil. Aqui, a influência evangélica na sociedade ainda é muito pequena. Temos um crescimento numérico, mas hoje vejo que o mundo tem influenciado mais algumas igrejas do que elas, o mundo”, aponta o pastor e jornalista assembleiano Silas Daniel, autor do livro A Sedução das Novas Teologias (Cpad), no qual critica os novos ensinos que estão entrando nas igrejas.

Mesmo que ainda não tenham chegado ao conhecimento do grande público, casos de igrejas e lideranças que adotam os modismos e novas teologias começam a preocupar os especialistas ouvidos por ECLÉSIA. “Há muitas aberrações doutrinárias e comportamentais que estão ocorrendo no meio evangélico. A qualidade da vida espiritual do brasileiro, em geral, não é boa. E onde está o problema? Basicamente na falta de ensino mais consistente da Palavra. Lideranças mal preparadas levam a rebanhos sem direção correta. Somos fortes para evangelizar, mas fracos para formar discípulos”, acredita Daniel.

Há pouco tempo, quando se falava em heresia, era quase automático se pensar em denominações que não seguiam a ortodoxia evangélica. Mórmons e Testemunhas de Jeová eram taxados como “seitas”. Doutrinas como a mariolatria – adoração a Maria -, a reencarnação e datas marcadas para a volta de Cristo eram automaticamente combatidas como grandes desvios. Os tempos mudaram. Com uma Igreja fraca em termos doutrinários e poderosa em marketing, está cada vez mais complicado dizer de onde vem o erro. “Existem desvios em toda parte, mesmo em denominações mais tradicionais há segmentos inteiros contaminados. Arrisco dizer que quase todas as igrejas estão infiltradas com doutrinas estranhas”, adverte Paulo Romeiro.

Relativismo, pluralismo e hedonismo são formas de pensar da sociedade atual. Mas se o mundo realmente entrou na Igreja ao combater as verdades absolutas, impor o ecumenismo às custas da fé e incentivar a satisfação das necessidades pessoais, como a busca de enriquecimento sem sofrimentos, o que acontecerá com o cristianismo brasileiro? É difícil dizer, mas dificilmente acabará como acreditam os ateus. Porém, aquele levantado para salgar a Terra e iluminar o mundo também não será mais um grande movimento de massa. E, tomara, não se torne como em muitos países do mundo, que se dizem evangélicos, mas que precisam mesmo ser novamente evangelizados.


Teologia Narrativa

Como ler e ainda interpretar a Bíblia são questões que dividem a humanidade há séculos. Além de ser uma obra literária com belas lições morais e um conjunto de histórias edificantes, ela também é normativa, ou seja, traz doutrinas imutáveis porque é a Palavra de Deus revelada? A questão pode parecer óbvia para muita gente, mas ultimamente vem sendo o motivo de acirrados debates. Em grande parte, por causa da polêmica Teologia Narrativa, que propõe que o livro sagrado não deve ser entendido como uma grande doutrina com sentido único, mas como uma narrativa devocional, que pode ser lida e interpretada sem maiores preocupações com regras hermenêuticas estabelecidas pelos mais conservadores.
Inspirada na filosofia desconstrutivista surgida na França dos anos 1960, a Teologia Narrativa defende que a Escritura não é um código de consulta de verdades morais e eternas, mas a narrativa dinâmica de Deus. Seus principais defensores, o batista Hans Frei e o católico William Baush, evitam em suas obras conceitos que normalmente são usados para se referir à Bíblia, como autoridade, inerrância, infalibilidade, revelação, objetiva, literal e absoluta. Todas essas qualificações seriam extra-bíblicas, segundo eles. Isso porque não há uma forma única de interpretar cada texto. O sentido é dado a cada leitor pelo Espírito Santo.


Teísmo Aberto

O Teísmo Aberto ganhou força no Brasil depois do tsunami que destruiu a Indonésia no final de 2004. Com a mesma força com que a onda ceifou milhares de vidas, a indagação sobre como um Deus bom pode deixar que aconteçam coisas tão ruins assim deixou as salas de aula das faculdades teológicas e se disseminou em grupos de discussão e blogs na Internet. Apesar de seus postulantes dizerem que crêem na onipotência, na onipresença e na onisciência divinas, defendem que devido ao livre-arbítrio que concedeu ao homem, Deus limitaria esses atributos em nome do amor e da liberdade dados à sua criação.
Com isso, também não conheceria todo o futuro, pois este dependeria das escolhas dos homens. Justifica essa crença com relatos bíblicos que afirmam que Deus se arrepende. Na realidade, nada disso é novidade. Desde que Pelágio ensinou que o homem pode ser santo por suas próprias forças nos primórdios da fé cristã, há defensores dessas crenças. A diferença é que agora o discurso está envernizado com tons piedosos. Afinal, não é que Deus não queria intervir para salvar os homens do tsunami. Ele não podia.


Teologia Quântica

Se no dia-a-dia ciência e religião são como água e óleo, que não se misturam, não dá para negar a influência da Física Quântica nas reflexões teológicas nos últimos anos. Ao defender que a vida é mais do que o mundo material visível e que existem realidades que não estão presas às leis da Física Clássica, a Física Quântica atrai cada vez mais o interesse de grupos religiosos como budistas, espíritas e, agora, protestantes. Ao estudar as propriedades do átomo, os cientistas descobriram que partículas subatômicas como os elétrons podem se apresentar tanto como ondas de energia como objetos muito pequenos. Depende do observador. Já seus movimentos são imprevisíveis: ele pode aparecer em um momento num lugar e no outro estar no lado oposto.
Influenciados por essas descobertas, os defensores da Teologia Quântica enfatiza bastante o livre-arbítrio humano. Por meio da fé e da oração, o homem pode influenciar Deus e fazê-lo mudar sua vontade. Como o pensamento positivo, a confissão positiva atrai bênçãos e vitórias, inclusive financeiras.


Evangelho da Auto-ajuda

Para os evangelistas da auto-ajuda, a Bíblia é um aglomerado de histórias inspirativas e textos de auto-ajuda. Termos como pecado e arrependimento são normalmente evitados por seus pregadores que preferem enfatizar a prosperidade material e o decretar da benção.
Um de seus principais representantes é Joel Osteen, pastor da Lakewood Church, na cidade de Houston, no Texas, Estados Unidos. Seu estilo sóbrio e pregação motivacional, principalmente na televisão, cativaram os norte-americanos e á começam a fazer seus primeiros adeptos em outros países. O sucesso é tanto que, em 2006, Osteen foi eleito o cristão mais influente das Américas.


Escritores em xeque

O que há em comum entre , Brennan Manning e Brian McLaren? Além de todos serem autores de alguns dos mais festejados best-sellers cristãos da atualidade, todos são acusados de terem se enveredado pelo liberalismo teológico e mesmo de defenderem questões, digamos, pouco ortodoxas. De todos, o mais criticado tem sido McLaren, nome ainda pouco conhecido do grande públio no Brasil. O que não impede o autor de Ortodoxia Generosa, de influenciar várias lideranças e ser apontado com o principal nome de uma nova geração de teólogos. Justamente por defender uma união de esforços das diversas linhas teológicas cristãs para que a religião possa ser “sal” e “luz” no mundo, apontando virtudes que considera importantes em cada uma, McLaren começa a ser combatido como alguém que tenta relativizar os relatos das Escrituras.
Apesar de serem grandes admiradores de McLaren e defenderem alguns pressupostos liberais, o problema com Yancey e Manning é outro. Yancey, autor de Maravilhosa Graça, O Jesus que Eu nunca Conheci e famoso por suas críticas ao cristianismo institucionalizado, tem sido criticado por apoiar os movimentos homossexuais. Manning enfrenta o mesmo problema. Elogiado por obras de impacto social como O Evangelho Maltrapilho e O Impostor que Vive em Mim, em que defende um estilo de vida simples como algo central para a fé cristã, chocou recentemente os norte-americanos mais conservadores ao afirmar que, na sua opinião, é possível conciliar a fé cristã e o homossexualismo. A resposta veio rápido: o escritor tem sido duramente criticado por falar em suas palestras da graça de Deus sem enfatizar a questão da mudança de vida.

*Marcos Stefano
Jornalista da Eclésia

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Eu jogo sal nas águas

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Ocaso Isabella Nardoni foi um dos crimes de maior repercussão na história da crônica policial brasileira. O assassinato da garotinha de cinco anos, cujos maiores suspeitos são seu próprio pai e a madrasta, ainda não julgados, chocou o país e colocou na vitrine da opinião pública o trabalho da imprensa. Todos os jornais, revistas, emissoras de TV e de rádio, além de sites informativos, dedicaram grande parte de sua pauta à cobertura do crime do Edifício London, numa luta diária pela divulgação de informações em primeira mão. Em jogo, não apenas a obrigação de informar, mas também a tentativa, muitas vezes explícita, de envolver emocionalmente o público.

Dentre os profissionais envolvidos no trabalho, o destaque foi para o jornalista Percival de Souza, da Rede Record de Televisão. Diariamente, por horas a fio, ele podia ser visto nos programas da emissora, informando e comentando os desdobramentos das investigações, com todos os detalhes do caso. Deu vários “furos” – o que, no jargão do jornalismo, é aquela notícia veiculada com exclusividade, o grande sonho de qualquer repórter. Na verdade, isso não é novidade na carreira de Percival, que já dura mais de quatro décadas e o consagrou como o principal repórter policial do país. Aos 64 anos, ele tornou-se referência em sua atividade não apenas pelas reportagens memoráveis que lhe valeram muitos prêmios, mas também pelos livros que escreveu. “Eu sei como é uma investigação, uma perícia. Então, graças a Deus, não preciso ficar prisioneiro da opinião de juiz, promotor, delegado ou advogado”, comenta.

A menção ao nome de Deus não é mera retórica. Crente convicto desde a mocidade, Percival é daqueles que não abrem mão da fé, mesmo diante de confrontações. E, segundo ele, isso acontece o tempo todo no dia-a-dia de sua profissão. “Convivo de perto com o mundo cão, conheço bem a brutalidade humana. Esse envolvimento me estimula a conhecer cada vez mais a Bíblia e o Senhor.” Ligado à Igreja Metodista, da qual afastou-se recentemente, o jornalista freqüenta uma congregação presbiteriana e é muito requisitado para palestras em igrejas e congressos evangélicos. Nessas ocasiões, usa toda sua bagagem profissional e pessoal para estimular os cristãos a defender os direitos humanos e os valores éticos. Percival, que é colunista de ECLÉSIA há oito anos (ele assina uma coluna que leva seu nome), concedeu a seguinte entrevista à revista:

ECLÉSIA – A morte brutal da menina Isabella Nardoni chocou o país. Como jornalista especializado na cobertura policial, o que você achou do trabalho da imprensa nesse caso?
PERCIVAL DE SOUZA – Na maioria dos veículos de comunicação, a cobertura foi feita sem merecer nenhum reparo – inclusive, pretendo me incluir nessa lista. Não há como confundir a abordagem de temas desagradáveis com uma certa assepsia da cobertura. Isso porque nós, jornalistas, entre outras coisas, somos seletivos. Esse caso foi particularmente chocante porque, além de a vítima ter apenas cinco anos, o próprio pai é o suspeito, junto com sua companheira. Você pode raciocinar de várias maneiras, inclusive algumas que não fazem parte do raciocínio da imprensa, e sim, do raciocínio cristão. Aliás, eu me senti ainda mais envolvido por ter uma neta com a mesma idade da menina morta. Durante a cobertura, eu sentia uma ira profunda das pessoas, principalmente quando o casal aparecia em algum lugar para depor ou era conduzido preso. Cheguei a comentar que tive a impressão de estar num novo coliseu, numa arena muito feroz.

Seu trabalho se destacou bastante na cobertura do episódio. Com toda sua experiência, você teve dificuldades nas apurações?
Estou na área criminal há quatro décadas e esse crime exigiu a aplicação de todo meu know-how profissional. Se eu tive algum destaque nessa cobertura, quando era onipresente na televisão, foi fruto dessa experiência. Eu sei como é uma investigação, eu sei como é uma perícia – conheço necropsia, entendo como é a elaboração de um laudo... Então, graças a Deus, não preciso ficar prisioneiro da opinião de juiz, promotor, delegado ou advogado. Tive condições de interpretar, explicar e traduzir de forma didática o que estava acontecendo para um grande número de pessoas. Mas, em geral, existem dificuldades em se entender certos procedimentos, devido à pressa. A imprensa corre contra o relógio, pois quer apresentar uma grande novidade diariamente. Esse ritmo é exatamente o contrário da apuração, que exige calma, ausência de precipitação, equilíbrio, enfim, a busca de provas concretas.

Você se considera um jornalista à moda antiga?
Acho que sim, e vejo que profissionais desse tipo já são poucos, infelizmente. Para você ter uma idéia, no auge da investigação e antes da reconstituição do crime ser feita, eu consegui detalhadamente o conteúdo da apuração depois de um encontro com os policiais encarregados do caso. E consegui ouvi-los sem ser visto com eles, pois isso poderia ser interpretado como uma espécie de privilégio. Mesmo com toda a imprensa na porta do Distrito Policial, consegui entrar pela lateral, escondido, deitado no banco traseiro de uma viatura com vidros escuros. Fiquei lá duas horas e meia e saí do mesmo modo que entrei, sem ser visto. Estou contando isso, não para dizer que sou um super-jornalista – na realidade, procurei fazer o que um repórter teria que fazer num caso assim.

Atuar na cobertura criminal o coloca, o tempo todo, em contato com o chamado “mundo cão” da brutalidade humana. Você já entrou em crise com Deus ou teve alguma dúvida em relação à sua fé?
Com relação a Deus eu nunca tive dúvidas – exceto na juventude, e por outras razões, quando o Brasil vivia um período de exceção na ditadura militar. Como eu tinha engajamento político, isso implicava em receber, de alguma maneira, doutrinação política, inclusive de tendências fortemente marxistas. Mas não abandonei a minha vida religiosa por causa disso; pelo contrário, aquele envolvimento me estimulou muito a conhecer melhor a Bíblia. Mas reconheço que, no cotidiano contemporâneo, é difícil você conviver com certos episódios. Se não fosse a formação religiosa que tenho, provavelmente não suportaria isso. Recentemente, estive com um delegado que está conduzindo uma investigação sobre uma rede gigantesca de pedofilia em São Paulo. Ele me mostrou algumas imagens em poder do pedófilo preso. Para resumir a coisa, há uma foto de violência sexual consumada contra um bebê de 27 dias. Isso é chocante! É difícil você olhar para alguém sob essa acusação e ficar impassível. O mundo em que eu vivo, profissionalmente falando, é exatamente isso que você citou na pergunta: um mundo cão. E olha que falo isso sem nenhuma depreciação à raça canina. Na verdade, eu acho que tenho uma armadura, como diria o apóstolo Paulo, para me proteger dessas coisas.

Qual sua opinião acerca dos clamores da sociedade pelo endurecimento das penas previstas no Código Penal?
Olha, eu sou um homem cristão, e vejo isso de uma maneira mais abrangente, mais profunda. A Bíblia diz que, onde está o nosso tesouro, aí estará o nosso coração. Dostoiéwski disse que a luta entre Deus e o diabo é permanente e acontece no palco do coração dos homens. Considero perfeita essa definição. As raízes do mal e suas expressões, como o crime e a violência, têm o seu nascedouro no coração humano. Nele palpitam sentimentos e emoções – de um lado, o bem, o amor, a caridade, a fraternidade, a esperança; sentimentos nobres, edificantes, cristãos. Em contrapartida, temos o ódio, a avareza, o ciúme, a ambição. Se você olhar a prática do crime, as origens são sempre as mesmas, porque são calcadas exatamente nesses sentimentos negativos. Nesse sentido, as leis humanas são extremamente frágeis. Sou contra a pena capital por várias razões. Se o marco zero de tudo isso foi o episódio envolvendo Caim, descrito no livro do Gênesis, fica claro que o próprio Deus é contra a pena de morte. Segundo o texto, o próprio Senhor fez um sinal na fronte de Caim, para que ninguém que o encontrasse o ferisse de morte por ele haver assassinado o próprio irmão. Também acho a prisão perpétua muito definitiva. A verdade é que há criminosos absolutamente irrecuperáveis, até por força de suas condições mentais – caso dos inimputáveis ou dos semi-imputáveis, por exemplo. Em resumo, não acredito na validade da antecipação da maioridade penal, faço reparos à previsão máxima de três anos para a internação de menores infratores, não admito a pena de morte e acho que existe, no mundo jurídico, outros mecanismos a serem aplicados em relação à prisão perpétua.

É voz corrente que as prisões brasileiras são escolas de crime que não recuperam ninguém. O que você acha da atuação evangelística das igrejas no sistema penitenciário?
No mundo prisional, é preciso certa especialização em termos de trabalho religioso. Há que se conhecer aquele universo, quais são os personagens com quem se está conversando, ter noção do que essas pessoas fizeram, etc. Além de tudo, é proibido ser ingênuo dentro de uma prisão. De modo geral, essa presença religiosa é muito apreciada pelos detentos. É um conforto, um bálsamo, em um ambiente de desespero. Tratar o prisioneiro como ser humano exige muito esforço por parte de quem se propõe a fazer esse tipo de trabalho – mas é possível colher resultados surpreendentes. Eu entendo que hoje precisamos dessa consciência acerca da realidade prisional, e a partir disso, definir uma fórmula eficiente de trabalho.

As igrejas têm atuado no combate à violência?
Acho essa atuação incipiente, porque isso exige, além de um conhecimento especializado, uma fé que se apresente de maneira muito sólida, muito convincente. Mas quando a Igreja consegue ter consciência dos seus limites e se aproxima de entidades e instituições que atuam bem, os resultados são ótimos. A Igreja de Cristo tem um papel que é exclusivamente dela.

Reportagens investigativas costumam colocar o profissional em situações de risco. Você não teme pela sua vida quando se envolve em reportagens arriscadas?
Acho que Deus determinou um ofício, uma atividade para cada um de nós. Ele nos dá os dons e os talentos para serem cultivados e aprimorados. Algumas vezes, o trabalho exige sacrifícios. No caso do Tim Lopes, por exemplo [N.da Redação: Tim Lopes era jornalista da Rede Globo e foi assassinado por traficantes de uma favela no Rio de Janeiro em 2002, quando fazia uma reportagem sobre venda de tóxicos e prostituição infanto-juvenil. Ele foi torturado e teve o corpo queimado. Percival subiu o morro escondido na mala de um carro para apurar o crime, e parte dessa história é contada em seu livro Narcoditadura]. Confesso que fiz aquela apuração com muita raiva. Não sei se era a ira santa de que falam nas Escrituras. Eu tinha um relacionamento de amizade com o Tim e o que houve com ele foi muito brutal. Ele foi torturado, esquartejado, incinerado. Morreu devagar, e sofreu muito antes de morrer. Eu senti a necessidade de contar essa história e o faria de novo, se fosse necessário. Quando eu subi o morro, sinceramente falando, eu me senti protegido. Era como se Deus me falasse de uma maneira não convencional: “Vai que eu seguro”. Posso lhe garantir que eu senti isso.

Então, a profissão é um ministério para você?
Não sei se posso dizer que é um ministério. Mas, de alguma maneira, é como amar o próximo como a si mesmo. É mais cômodo ficar em casa, fingindo que coisas assim não existem. Mas temos a nossa consciência, que eu defino como um lampejo divino. Também penso muito nas palavras de Lutero: “Não é bom para o cristão viver contra a sua consciência”. Então, acredito que esse trabalho possa ser uma forma de atividade ministerial, cumprindo tarefas que ajudem a salgar essa terra. Para mim, os indicativos bíblicos são claros. Por exemplo – o primeiro milagre de Eliseu, relatado nas Escrituras, foi salgar as águas do manancial que abastecia Jericó. Isso é muito forte, muito significativo, alentador e inspirador.

Você joga sal nas águas?
Procuro fazer isso. E haja sal!

Qual é o seu envolvimento com a Igreja?
Durante toda minha vida, eu tive um vínculo muito estreito com a Igreja Metodista. Ali, exerci todas as atividades que um leigo pode desempenhar numa igreja local, inclusive a superintendência da Escola Dominical e a direção da Faculdade de Teologia. Mas, por razões bem pessoais, eu resolvi fazer como Cristo fez – retirei-me um pouco para meditar, principalmente em torno de alguns fatos que aconteceram e que me aborreceram profundamente.

Pode dar um exemplo?
Por exemplo: o órgão máximo decisório da Igreja Metodista decidiu estabelecer restrições ao relacionamento com os católicos. Não tenho dúvida nenhuma de que isso é absolutamente medieval. Certa vez, superintendendo a Escola Dominical, promovi uma aula magna tendo como convidado o Mário Sérgio Cortela, diretor do Departamento de Teologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Segundo o Concílio Geral, não posso mais levar alguém como ele à minha igreja local. Isso é um absurdo, é inimaginável e inaceitável. Não é bíblico, pois a oração de Jesus foi para que todos sejamos um. Então eu pensei profundamente sobre esses fatos e achei que, pelo menos, aquele não era mais o meu lugar. Deus não tem endereço fixo, nem fica confinado num determinado local. Como não tenho absolutamente nada em termos de restrições aos católicos, me agrada também, de vez em quando, assistir à missa lá no Mosteiro de São Bento e ouvir seu canto gregoriano. Esse período de meditação talvez até fosse necessário, porque eu passei a maior pare da minha vida em atividades docentes na minha igreja. Acho que chegou o momento de me dedicar a pensar, refletir, observar, ouvir. E tenho ouvido coisas muito interessantes.

Fale sobre sua formação religiosa.
Eu nasci em berço evangélico, num domingo, por volta das 20h. Portanto, minha mãe faltou a um culto para que eu nascesse [risos]. Tive formação religiosa dentro da igreja. Fui aluno de todas as classes de Escola Dominical. Então eu segui toda essa trajetória, exerci várias atividades, tive várias experiências, fiz muita coisa na igreja, pela igreja ou representando a igreja.

E sua carreira?
Meu primeiro trabalho na área foi como repórter num jornal especializado em boxe, chamado Ringue, já extinto. Depois, fui para o jornal O Esporte que, como o nome diz, fazia cobertura esportiva. Mais tarde, atuei no jornal A Gazeta e dali, fui para a revista Quatro Rodas, cujo diretor era o jornalista Mino Carta. De lá passei para o Notícias Populares fazendo geral. Fiquei também um ano na revista Auto Esporte numa vaga aberta pela saída do Clóvis Rossi, que tinha ido para o Estadão. Por último, veio o trabalho no Jornal da Tarde. Além disso, fiz várias coisas em rádio, principalmente Eldorado, Gazeta e Capital. Em televisão, atuei na TV Cultura, na Globo – onde fiquei nove anos como comentarista – e, por último, na TV Record, onde estou há quase seis anos.

Por que você decidiu fazer cobertura policial?
Isso, na verdade, não foi uma coisa planejada por mim. Minha carreira está umbilicalmente ligada à história do Jornal da Tarde, de São Paulo. Eu sou da equipe que fundou o jornal, cujo diretor de redação era o Mino Carta. O grande Mino Carta! O Jornal da Tarde seria logo uma revolução na imprensa brasileira, assim como as revistas O Cruzeiro e Realidade, além do Jornal do Brasil. Resolvemos que todas as áreas iam ser cobertas de maneira diferente, inclusive a policial. E eu, que nunca tinha entrado numa delegacia, de repente recebo a missão do Mino de criar uma concepção, algo novo para essa editoria do jornal. Comecei muito timidamente, conhecendo aos poucos a organização policial. Devagar, fui desenvolvendo meu trabalho e buscando o aperfeiçoamento. Acabei me especializando em noticiário policial e – por que não dizer? – gostando disso.

Como é que você analisa o jornalismo evangélico que existe hoje no Brasil?
Eu acho que, com as exceções que toda regra tem, esse jornalismo criou uma ficção: a aversão, em geral, aos meios de comunicação, pela religiosidade de alguns grupos – particularmente os evangélicos. A nossa tendência, de alguma maneira, é acobertar certas práticas. Nesse sentido, a ECLÉSIA é uma revista que, sem ser essa sua intenção, transformou-se numa espécie de oásis desse cenário, porque seu critério para a publicação de alguma matéria é jornalístico. Nós, jornalistas, temos o critério essencial de relatar fatos, de maneira que não haja dúvida nenhuma de que são fatos autênticos, de que o que relatamos não são peças de ficção – mesmo que esse fatos incomodem ou desagradem. Aliás, a imprensa não cria ou produz fatos; ela noticia os fatos.

O que leva as igrejas e suas lideranças a essa aversão pela imprensa?
O fato de eu denunciar algo abominável envolvendo determinada pessoa ou determinado grupo não significa um ataque àquela pessoa, ou àquela organização religiosa. Estamos falando de fatos específicos. Muitas pessoas têm dificuldades em entender isso. Ora, se fulano de tal desviou dinheiro, se corrompeu, isso é um fato – claro, é preciso que haja a acusação, o processo criminal e, se for o caso, a prisão. E a imprensa precisa divulgar isso. Mas o corporativismo diz: “Ah, mas é fulano! É fulana! Onde já se viu falar isso? Não pode mexer com essa pessoa, ela é intocável”. Isso, para mim, é inaceitável. Nosso trabalho é secular, quanto mais numa atividade que mostra o desempenho de organismo religioso. Seria absolutamente inaceitável. Você não pode ter uma imprensa, inclusive religiosa, que seja omissa e covarde. Na maioria absoluta dos casos, quando se critica os meios de comunicação, eles estão corretos. O fato de você gostar ou não gostar do que aconteceu é uma outra coisa. Mas, se aconteceu, o que nós, jornalistas, vamos fazer? Brigar com os fatos? Brigar com a notícia? Por que sonegar isso? Pelo contrário. Eu acho que o pregador, o membro de ministério de igreja – o líder cristão, enfim –, deve ser muito consciente da responsabilidade e do compromisso que tem. Queira ou não, ele é vitrine. E essa vitrine não deve ser estilhaçada. Quando algo ruim acontece, é muito importante que o povo de Deus saiba disso.

Eduardo Ornellas e Marcos Stefano
REVISTA ECLÉSIA

domingo, 10 de agosto de 2008

Conhecer o hebraico é fundamental

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É surpreendente observar como, nos dias de hoje, é comum ouvir tanta gente dizer tanta coisa com tanta certeza sem qualquer embasamento objetivo. Muitas vezes, grande parte do que é dito simplesmente não pode ser comprovado. Infelizmente, isso também é fato no contexto do ensino e pregação das Escrituras. Multiplicam-se os arautos de uma variada gama de mensagens, enquanto desaparecem os estudiosos da Bíblia. Um dos problemas mais surpreendentes é o desinteresse e o descaso pelo conhecimento do grego e do hebraico, línguas originais da Bíblia (sem falar do aramaico). É de conhecimento geral que a Palavra de Deus surgiu no contexto histórico do povo judeu. A verdade bem conhecida é que cerca de três quartos da Bíblia foram escritos na língua hebraica. E apesar de quase todo restante das Escrituras ter sido escrito em grego coinê, o raciocínio subjacente à ampla maioria dos documentos do Novo Testamento é nitidamente hebraico. Isso quer dizer que embora as palavras sejam gregas, o pensamento é semítico, hebraico. Portanto, sem dúvida alguma, se há uma língua e cultura importante para os estudos bíblicos conscientes e mais profundos, trata-se do hebraico. Podemos inclusive afirmar que, sem o conhecimento das línguas originais, não é possível construir uma boa teologia das Escrituras Sagradas.

Diante dessa realidade indisfarçável, temos de reconhecer que existe motivo de sobra para que o cristão de hoje procure conhecer o hebraico bíblico. Nosso objetivo é relacionar nesse espaço pelo menos as razões mais importantes:

1. Conhecer o hebraico é lidar com um tesouro lingüístico inestimável.

O conhecimento do hebraico bíblico nos permite, com bastante segurança, falar as mesmas palavras e frases que os antigos profetas e homens de Deus falaram nos tempos do Antigo Testamento. O hebraico é uma das línguas mais bem preservadas da história humana. Se Jeremias ou Isaías ressuscitassem hoje e fossem tomar um café em Jerusalém, certamente conseguiriam se comunicar. Estima-se que 70% do vocabulário do hebraico contemporâneo tem base etimológica na Bíblia. É um fenômeno lingüístico único. A língua possui uma sonoridade bonita, exótica e diferente. Embora o leitor não seja familiarizado com o hebraico, é possível sentir o som do primeiro versículo bíblico em Gênesis: Bereshit bará elohim et hashamaim veet haarets.

2. Conhecer o hebraico é uma viagem entusiasmada ao desconhecido.

Algumas pessoas têm receio de enfrentar um novo desafio. Todavia, a maioria de nós gosta de ver e experimentar novidades e tem curiosidade pelo que é bem diferente do cotidiano. O hebraico é um universo totalmente diferente. Aprender uma língua não é apenas trocar palavras de nosso vernáculo por outras com sons distintos. Uma língua é uma visão de mundo. Como dizia Hjelmslev, uma língua é um recorte no continuum amorfo da realidade. Ou seja, cada língua é uma interpretação da realidade. O hebraico é o exótico e o inusitado. Leva-nos a uma percepção de mundo muito distinta da tradição latina ocidental. As letras, por exemplo, são muito diferentes e parecem pequenas obras de arte. As consoantes são mais importantes do que as vogais, como se pode observar nas línguas semíticas. As vogais são pequenos pontos, que às vezes confundem o estudante de “primeira viagem”. Ao contrário da tradição ocidental, a língua hebraica é escrita da direita para a esquerda (sentido oposto ao do português). O vocabulário, as associações de idéias e a gramática são totalmente diferentes daquilo que conhecemos, por incrível que pareça há termos parecidos: a conjunção ou em hebraico é `o (ô).

3. Conhecer o hebraico significa conhecer uma cultura muito diferente.

Como já mencionamos, as línguas humanas não possuem apenas palavras diferentes para as mesmas coisas. Na verdade, as palavras são uma expressão da cultura e do modo de ser peculiar de um povo. Algumas particularidades do enfoque semítico chamam a atenção. No hebraico, por exemplo, não existe gênero neutro como acontece no inglês. Tudo é dividido entre masculino e feminino; existe até mesmo o pronome você (masculino) e você (feminino). O verbo é conjugado de modo diferente se é um homem ou uma mulher que está falando. Se eu perguntar a um homem se ele fala hebraico, terei de dizer: atá medaber yvrit? Se a mesma pergunta for dirigida a uma mulher, deverá ser dito o seguinte: at medaberet yvrit? Idéias abstratas, comuns em línguas ocidentais como o alemão e o grego, são muito raras. O aspecto concreto prevalece no hebraico. A expressão bíblica “fazer uma aliança”, por exemplo, é literalmente “cortar uma aliança” em hebraico, fazendo referência à prática de cortar um animal ao meio quando se fazia um acordo ou aliança na antigüidade. É por isso que é impossível fazer uma tradução totalmente literal da Bíblia. Isso não faz o menor sentido!

4. Conhecer o hebraico é aprender a pensar de modo diferente.

Dentre as tantas curiosidades da língua dos antigos patriarcas de Israel, vamos descobrir que o hebraico também é muito diferente do português e das demais línguas latinas por possuir um jeito e uma ordem de frase distintos. Geralmente a ordem é primeiro o verbo e depois o sujeito. Essa é a razão da inversão frasal presente nas traduções antigas da Bíblia em português. Outra característica interessante da língua hebraica é o seu aspecto conciso. A antiga língua dos hebreus usava poucas palavras para dizer muito. Os verbos de ligação são dispensados, os pronomes pessoais estão embutidos na maioria das formas verbais e algumas preposições e sufixos de posse aparecem anexadas aos substantivos. Diz-se muito com poucas palavras. Outra questão que merece atenção especial é o verbo do hebraico. Estamos muito acostumados com a idéia de tempo verbal em português. Dividimos tudo em presente, passado e futuro. Para muitos é surpreendente descobrir que o que caracteriza o verbo no hebraico não é principalmente o tempo do verbo, mas sim o modo da ação. O que mais importa é se a ação é acabada ou não. Em muitas passagens bíblicas somente o contexto determinará se o verbo deve ser traduzido no futuro, no presente ou no passado. Por isso, estranhamos traduções diferentes do tempo verbal da literatura poética do Antigo Testamento. Um exemplo dessa diferença pode ser visto no Salmo 15.2. Veja a tradução literal comparada com uma tradução contemporânea como a Nova Versão Internacional.

5. Conhecer o hebraico significa entender os termos teológicos da Bíblia

Esse conhecimento é muito importante para que não sejam ensinados conceitos mal elaborados e equivocados presentes até mesmo nas igrejas evangélicas. Os vocábulos hebraicos muitas vezes não possuem correspondentes adequados em português. O campo semântico das palavras é muito particular e até mesmo chega a parecer estranho para nós. Mais uma vez, deve-se destacar que uma tradução totalmente literal da Bíblia não teria sentido em português. Uma das palavras muito importantes do Antigo Testamento, por exemplo, é o termo Sheol, traduzido por Hades no grego do Novo Testamento. A tradução uniforme do termo não é adequada. Sheol refere-se de fato ao “mundo dos mortos” e, em muitos contextos do Antigo Testamento, o termo se refere concretamente à sepultura, já em outros textos a idéia é profundezas; há contextos poéticos onde o sentido é morte; mas em muitos textos a idéia de Sheol é mundo dos mortos (no NT Hades pode significar inferno em certos textos). Esse exemplo mostra como devemos ser criteriosos e cautelosos para concluir apressadamente muitas idéias sobre a Bíblia. É preciso ter base lingüística adequada. Quem poderia imaginar, sem o devido estudo, que a palavra Shalom, tão conhecida, significa muito mais do que paz. A verdade é que Shalom quer dizer também prosperidade, vida plena, segurança. Em cada contexto específico, a palavra pode ter uma nuança específica e deve ser traduzida de modo distinto. A idéia de paz subjetiva e psicológica não é o que predomina no hebraico. Em português essas associações não são claras. Quando um judeu cumprimenta o outro, ele pergunta: “Como vai a tua paz?” Paz, portanto, não é um termo simplesmente psicológico e emotivo, mas sim um termo concreto em relação à vida.

Diante de tais considerações, não há dúvida de que a Igreja Evangélica de hoje deve dar a devida atenção ao estudo das línguas originais da Bíblia, particularmente o hebraico. Especialmente em nossos dias quando muitos conceitos equivocados e mistificados são disseminados por quem conhece pouco do assunto, é mais do que necessário ampliar o conhecimento do povo de Deus no campo das línguas originais da Bíblia. Estude e conheça o hebraico bíblico. Segue uma boa bibliografia recomendada sobre o assunto:

GUSSO, Antônio Renato. Gramática Instrumental do Hebraico Bíblico. Vida Nova.
AUVRAY, Paul. Iniciação ao Hebraico Bíblico. Gramática Elementar, Textos Comentados, Vocabulário. Vozes.
BROWN, Driver & Briggs. Hebrew-English Lexicon. Oxford.
GENESIU, Kautzsch. Hebrew Grammar. Oxford Press.
KELLEY, Page H. Hebraico Bíblico: Uma Gramática Introdutória. Sinodal.
KIRST, Nelson. Dicionário Hebraico-Português e Aramaico-Português. Sinodal.
KOEHLER,Baumgartner. Hebrew Lexicon. Brill, Netherlands.
LAMBDIN, Thomas O. Gramática do Hebraico Bíblico. Paulus.
MAYER, Rudolf. Gramática del Hebreo Bíblico. CLIE.
MENDES, Paulo. Noções do Hebraico Bíblico. Vida Nova.
MITCHEL, L. Estudos no Vocabulário do AT. Vida Nova.
PINTO, C.O & SAYÃO, Luiz. A Questão da Transliteração do Hebraico. Vox Scripturae IV, 1.
SAYÃO, Luiz. Antigo Testamento Poliglota. Vida Nova-SBB.
SCHÖKEL,L. A. Dicionário Bíblico Hebraico-Português. Paulus.
SEOW, C. L. A Grammar for Biblical Hebrew. Abingdon Press.
WALTKE, B. & O’CONNOR, M. Introdução à Sintaxe do Hebraico Bíblico. Cultura Cristã.

Luiz Sayão
Teólogo, hebraísta, escritos e tradutor da Bíblia. É também professor da Faculdade Batista de São Paulo, do Seminário Servo de Cristo e professor visitante do Gordon-Conwell Seminary.