segunda-feira, 23 de junho de 2008

Graça Preveniente – Uma Visão Wesleyana

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O campo comum sobre o qual nós como teólogos evangélicos opinamos é importante, e discutir na área de nossos acordos é de grande valor. Apesar de concordarmos que a Palavra de Deus é infalivelmente verdadeira, nossas mentes falhas muitas vezes viajam em caminhos divergentes na tentativa de alcançar a verdade. A comunhão cristã, então, é baseada mais no amor e no entendimento que na completa concordância em todas as doutrinas.


A discussão ocasional de algumas de nossas diferenças também se revela útil visto que recebemos um melhor entendimento uns dos outros. Conhecer e apreciar a visão do outro, sempre quando um não concordar com o outro, constrói o amor cristão e a comunhão no Espírito Santo. Esta é a razão para este artigo sobre a graça preveniente ter sido preparado. É esperado que este esforço traga um maior entendimento das diferentes ênfases em círculos Wesleyanos.


1. A graça preveniente é a graça comum ou universal. John Wesley usou a palavra “preveniente” que em seus dias significava “vir anteriormente.” Esta graça que vem antes da salvação é dada a todo o homem. Wesley escreveu:


Todas as bênçãos que Deus tem concedido ao homem são de Sua simples graça, doação ou favor; Seu favor gratuito imerecido; favor completamente imerecido; não tendo o homem direito à menor de Suas misericórdias. Esta é a graça gratuita que “formou o homem do pó da terra, e soprou nele uma alma vivente e imprimiu em sua alma a imagem de Deus, e pôs todas as coisas sob seus pés.” Esta mesma graça gratuita continua para nós nestes dias, vida, respiração e todas as coisas. Não existe nada que somos, tenhamos ou façamos que justifique a mínima coisa das mãos de Deus. “Todo nosso trabalho, Tu, ó Deus, tens feito em nós.” Estas, portanto, são tantos mais exemplos de gratuita misericórdia: qualquer integridade que possa ser achada no homem, isto também é dom de Deus.


A graça preveniente é revelada no providencial cuidado de Deus por todas as Suas criaturas. Paulo reconheceu isto quando disse: “porque nEle vivemos e nos movemos e temos existido” (At 17.28). O homem caído no pecado teria finalizado a graça providencial de Deus por ele se não existisse o gracioso plano de redenção. Agora, para o homem caído, aquela graça continua a fluir a fim de completar o divino propósito da redenção. Existe continuidade entre a graça providencial para todos e a graça que orienta para a salvação.


Para Wesley, a própria existência da humanidade era dependente da graça de Deus. Tivesse o castigo pela queda de Adão no pecado acontecido sem misericórdia, Adão teria morrido e a humanidade perecido com ele. Assim, a vida física propriamente dita e todas as bênçãos resultantes dela são um direto resultado desta graça. A graça de Deus está em todo homem, não no sentido de haver nascido com ele, mas de ser “infundida” nele. Ao ímpio é dado na mesma medida um conhecimento de Deus e uma consciência que carrega a indicação do certo e do errado. Wesley escreveu que o “primeiro sinal real do bem vem do alto tanto quanto o poder que o conduz até o fim.” É Deus quem “infunde todo bom desejo” e ainda o acompanha e o segue. Assim, um homem pode ser de um compassivo e benevolente espírito, ser amável, gentil, ter classe, fazer boas ações e sempre atender a igreja. Tudo de bom resulta da graça preveniente.


Esta graça contém todas as qualidades atribuídas à graça comum pelos Reformadores. O Dr. M. Eugene Osterhaven em seu excelente artigo sobre a “Graça Comum” descreve a obra geral da graça de uma maneira muito similar ao entendimento Wesleyano da graça preveniente. A graça comum, de acordo com o artigo, “restringe o pecado de forma que a ordem é mantida e a cultura e a integridade são promovidas.” Deus faz isto refreando o pecado na vida do indivíduo e da sociedade. “Deus por Sua providência reprime a teimosia de nossa natureza de manifestar-se em atos externos.” O Dr. Osterhaven vai mais além em salientar que a graça comum habilita o homem a fazer algo bom. Deus não tem desamparado completamente a humanidade, mas continua a lhe dar abundante evidência de Sua compaixão. O homem é habilitado a fazer certas coisas boas por causa da providência geral e benção de Deus em direção a todo homem.


Embora os ensinamentos da graça comum e da graça preveniente tenham muito em comum, a diferença essencial é vista no ponto onde a graça comum e a graça especial são entendidas pelos Calvinistas como essencialmente diferentes. Os Wesleyanos ensinam que a graça preveniente leva à graça salvadora, prepara para ela, habilita a pessoa a adentrar nela. A diferença entre as duas para os Wesleyanos seria em grau e não em tipo.


2. Ela é ministrada através do Espírito Santo. Freqüentemente a graça é vista como um favor imerecido de Deus, o que de fato é. Mas esta graça é também vista ser um poder operativo de Deus na vida dos homens. Por esta razão, existe uma relação fechada entre a atuação do Espírito Santo e a graça de Deus.


Um recente livro intitulado With the Holy Spirit and With Fire, de Samuel M. Shoemaker, enfatiza este aspecto da graça muito claramente. Dr. Shoemaker escreveu:


Eu penso nEle como o centro vagueante de toda a atividade de Deus no mundo. Ele é o Inspirador de toda a verdade – filosófica, científica, prática, tanto quanto a espiritual. Ele é o Criador de toda a beleza, seja ela canalizada através de instrumentos dignos ou não... Ele é o Autor de toda verdade em toda parte – é dEle o conhecer e o dispensar. Ele está em toda obra de misericórdia, em toda boa e gentil vida, em toda reconciliação entre pessoas ou grupos ofendidos, em toda elevação do espírito de pessoas postas à prova ou em sofrimento. Em tudo de bom que os homens parecem fazer, encontraremos uma mão invisível a agir em motivação a isto e dando graça para conduzir isto continuamente. No mais obscuro e pior dos homens, qualquer centelha de bondade subsistindo para ser tocada, ela é o Espírito Santo. Ele é mais penetrante que o éter. Ele é Deus em Sua total extensão, muito engenhoso e muito hábil nos mais vastos aspectos. Ele é Deus em Seu mais exato e íntimo aspecto. Em Sua própria gentil maneira, Ele está tomando a iniciativa conosco.


Se concordamos com o Sr. Shoemaker em toda a sua afirmação ou não, suas idéias são instrutivas. Antes que manter que o bem encontrado no homem à parte da salvação é uma bondade restante da queda do homem, o Arminianismo-Wesleyano sempre ensinou que Deus sobrenaturalmente restituiu a todos os homens uma porção do Seu Espírito Santo através da graça que flui do Calvário. O Dr. L. M. Starkey em seu estudo sobre a Teologia Wesleyana enfatiza o fato de que Wesley identificou a graça de Deus com o poder do Espírito Santo na vida humana. Qualquer bem achado no governo ou em qualquer pessoa seria um resultado da presença do Santo Espírito de Deus. Visto que Ele é o Espírito da verdade, então qualquer verdade que venha para a humanidade, até mesmo à parte do Cristianismo, é um resultado do Espírito Santo. De fato, algum conhecimento de Deus é infundido na mente dos homens pelo Espírito Santo. A própria existência da lei natural bem como sua aplicação, até mesmo pelos homens sem Deus, não pode ser separada da obra do Espírito Santo. Desta maneira, uma quantidade de graça é ministrada a todos os homens pelo Espírito Santo de Deus, tendo eles a Escritura ou não.


3. Ela leva à salvação. Embora os Wesleyanos possam consentir que tudo o que é afirmado para a graça comum pode também ser afirmado para a graça preveniente, todavia eles defendem que o propósito primário da graça preveniente não é restringir o pecado e dar bons desejos e bênçãos ao homem; esta graça é dada a fim de levar os homens ao arrependimento e à salvação. O propósito primário de Deus em permitir a existência da raça humana é trazer os homens à salvação. Wesley escreveu:


Por admitir que todas as almas dos homens estão mortas no pecado por natureza, isto não justifica ninguém, visto que não existe nenhum homem no estado de mera natureza; não existe nenhum homem, a não ser que tenha extinguido o Espírito, que esteja absolutamente vazio da graça de Deus. Nenhum homem vivo é inteiramente destituído do que é vulgarmente chamado de consciência natural. Mas isto não é natural: é mais apropriadamente chamado, graça preveniente. Todo homem tem uma maior ou menor quantidade desta, que não espera pelo convite do homem. Todos têm, cedo ou tarde, bons desejos; embora a maioria dos homens sufoque-os antes deles poderem enraizar-se ou produzir algum fruto considerável. Todos têm alguma quantidade dessa luz, algum fraco raio lampejante que, cedo ou tarde, mais ou menos, ilumina todo o homem que vem ao mundo. E todos, a não ser que ele seja um dos poucos cuja mente está cauterizada com ferro quente, sente mais ou menos incômodo quando age contrário à luz de sua própria consciência. De forma que ninguém peca porque não tem graça, mas porque não faz uso da graça que tem.


Wesley não teve dificuldade em descrever a queda do homem em termos bem sombrios. A queda corrompeu a natureza humana e tornou o homem completamente destituído de qualquer glória moral com que foi criado. Por natureza, o homem está completamente caído. O pecado original envolveu o homem em culpa e o expôs à ira de Deus. A ira de Deus descansou sobre a raça humana por causa do pecado de Adão. Por natureza, todos são filhos da ira. Mas enquanto Wesley viu este lado negro e escuro do homem, ele também viu essa graça preveniente dada a todo homem, e lançando fora a pena pelo pecado herdado de Adão.


Por causa da graça de Deus, nenhum homem será punido pelo pecado de Adão. A todo homem é dado um novo começo através da graça. John Fletcher insistiu que, por este dom gratuito a todo homem, Deus tem garantido incondicional perdão para o pecado original. Eldon Fuhrman afirma que, por este entendimento da justificação de todo homem pela graça de Deus, Wesley admitia a excessiva pecaminosidade do pecado original com seu completo castigo de um lado e, do outro lado, exaltava a obra expiatória de Cristo. “Isto o absolveu da fraqueza dos Semi-Pelagianos, que negavam a completa força do castigo; e também o salvou das extremas conclusões para a qual a liderança federal de Adão tinha sido levada.” Surgindo deste benefício da graça preveniente, existe a doutrina de que todas as crianças que morrem na infância são redimidas através da graça gratuita de Deus e todas as outras pessoas que são incapazes de fazer escolhas.


A salvação inicia com a graça preveniente e continua até a glorificação final. Wesley escreveu:


A salvação começa com aquilo que é geralmente chamado (e muito apropriadamente) de graça preveniente: incluindo o primeiro desejo de agradar a Deus, a primeira aurora de luz relativa à Sua vontade, e a primeira efêmera convicção de ter pecado contra Deus. Tudo isto implica alguma tendência em direção à vida; algum grau de salvação; o início da libertação de um cego e insensível coração, completamente inconsciente de Deus e das coisas de Deus. A salvação continua pela graça convincente, geralmente chamada na Escritura de arrependimento: que traz uma maior quantidade de conhecimento próprio, e uma mais completa entrega do coração de pedra. Depois experimentamos a própria salvação cristã; segundo a qual “pela graça” “somos salvos por meio da fé;” consistindo das sublimes ramificações, a justificação e a santificação.


Assim, a salvação do homem é dependente da resposta do homem, pela graça preveniente, à graça salvadora de Deus.


4. Ela proporciona responsabilidade pessoal. Apesar de algumas pessoas que dizem ser Wesleyanas mostrem-se Semi-Pelagianas, ninguém, com exatidão, pode acusar John Wesley de cair nesta categoria. Como já relatado, ele descreveu a queda do homem em termos muito negros. Por natureza, o homem não recebe nada que seja bom. De fato, ele é completamente inabilitado a fazer uma boa escolha de qualquer tipo através da natureza. Ele é livre, mas livre só para fazer o mal e a seguir no caminho do pecado. Da natureza ele não recebe nenhuma sugestão de bondade dentro de si mesmo. Não existe bom desejo que venha por meio do nascimento. Ele é totalmente depravado e totalmente inabilitado.


Contra esta negra figura, entretanto, Wesley então dá lugar à graça preveniente fluindo na vida de toda pessoa. É o poder do Espírito Santo de Deus erguendo esse indivíduo acima do que ele havia recebido por meio do nascimento e criando nele um início de vida que o guiará para a vida além, se ele responder a este. Neste sentido toda pessoa tem um grau de vida divina não herdada no nascimento.


Na prática, então, a verdadeira liberdade do homem vem pela graça. À parte da graça preveniente, o homem não poderia ter nenhuma liberdade, exceto liberdade para o mal. Não existiria nenhum poder nele mesmo para escolher o bem ou para até mesmo conhecer o bem. A graça preveniente providencia tanto o incentivo para seguir o bem, o conhecimento do bem e até mesmo o poder para escolher o bem.


É por esta razão que se pode atribuir ao homem o poder para fazer sua própria escolha no que diz respeito à salvação. O próprio poder para fazer esta escolha vem da graça de Deus. Com o poder de escolher a salvação vem também a oferta da graça salvadora. Mas o homem ainda é capaz de rejeitar a salvação oferecida a ele. A graça que é providenciada não é irresistível. O homem pode reagir à graça favoravelmente, segui-la e ser salvo ou ele pode rejeitá-la, colocar-se longe dela, e achar-se mais e mais escolhendo o mal de sua própria natureza. Desta maneira, o homem propositadamente peca em rejeitar a graça dada a ele, ou ele pode viver obediente pela graça que lhe foi dada.


Wesley não atribuiu ao homem um poder natural para fazer boas escolhas, nem ensinou que a escolha de uma salvação individual dependia completamente de Deus. O homem tem uma inabilidade total que é somada à gratuita graça de Deus. Ele faz uma escolha correta pela graça que Deus tem dado a ele. A habilidade para escolher é uma habilidade graciosa.


Com esta graça dada a ele, o homem pode cooperar com Deus. Wesley fixa a verdade “sem mim, nada podereis fazer” ao lado das palavras “posso todas as coisas em Cristo que me fortalece” (Fp 2.12, 13). Então, ele proclama “Aqui a maldição é dissolvida! A luz penetra, e as trevas desaparecem.” Deus uniu estes dois, e não deixa que ninguém os separe. Wesley descreveu a reação do homem a esta graça como segue:


Portanto nós podemos... concluir a absoluta necessidade desta reação da alma (ou como quer que se chame) a fim da continuação da vida divina nela. Pois claramente se percebe que Deus não continua a agir na alma a menos que a alma reaja a Ele. Deus nos guia, de fato, com as bênçãos da Sua bondade. Ele nos amou primeiro e manifestou-se a nós. Enquanto estamos, não obstante, muito distantes, Ele nos chama para si mesmo, e ilumina nossos corações. Mas se nós, então, não amarmos Aquele que nos amou primeiro; se não atendermos à Sua voz; se voltarmos nossos olhos para longe dEle e não atentarmos para a luz que Ele derramou em nós; Seu Espírito não lutará sempre: Ele gradualmente se retirará, e nos deixará às trevas de nossos próprios corações. Ele não continuará a soprar na nossa alma a menos que nossa alma respire em direção a Ele novamente; a menos que o nosso amor, e súplica, e graças voltem-se para Ele, como um sacrifício com o qual Ele se agrada bem.


Aqui está uma forma de sinergismo entendida no meio de um monergismo. Inicialmente Deus age e depois que sua ação começa, então é possível ao homem cooperar com Ele.


5. Ela preserva o sola gratia e o sola fide. O modo no qual o sola gratia é preservado pode agora ser visto. Visto que o homem nada podia fazer sobre sua própria salvação até mesmo no sentido de responder a ela, exceto através da graça que é inicialmente dada a ele por Deus, então, sua própria reação a essa graça é da graça. Embora a graça não seja a causa de sua correta reação, ela certamente é a razão pelo qual ele reage a Deus e se entrega à mais graça. Quando a salvação final é obtida, uma pessoa pode olhar para trás e dizer, “Foi a graça que me trouxe ao lar.” Tal graça dispensa toda idéia de algum mérito humano por qualquer ato que o homem tenha consumado, até mesmo sua ação de livre-escolha em crer para a salvação. Todo o mérito é através da graça de Deus, em Jesus Cristo, o nosso Senhor. Neste sentido é somente pela graça que o homem é salvo.


Ao mesmo tempo, a idéia do sola fide é preservada. A graça preveniente, na verdade, dá mais lugar ao sola fide do que pode ser encontrado nos decretos eternos. Wesley não pôde entender por que seus amigos Calvinistas acusaram-no de não ensinar o “pela fé somente.” Isto o incomodou consideravelmente até o dia que um súbito pensamento atravessou sua mente. Ele o expressou desta maneira:


Fiquei perplexo quando um pensamento cruzou minha mente como um tiro, o qual resolveu a questão de uma vez. Esta é a chave: aqueles que afirmam “todos estão absolutamente predestinados para salvação ou para perdição” não vêem nenhum meio-termo entre a salvação por obras e a salvação por decretos absolutos. Segue que, qualquer que nega a salvação por decretos absolutos, fazendo assim (de acordo com suas percepções) afirma a salvação por obras.


E nisto eu verdadeiramente acredito que eles estão certos. Tão adverso como uma vez estive ao pensamento, após mais consideração, eu admito que não há, não pode haver, nenhum meio-termo. A salvação é por decreto absoluto, ou é (num sentindo bíblico) por obras.


Wesley declarou que nenhum dos dois pode ser por fé, pois o “Decreto incondicional exclui tanto a fé quanto as obras.” Se a salvação é pelo decreto de Deus, então ela não pode ser pela fé como uma condição para a salvação. Os Wesleyanos acreditam que a graça preveniente capacita a pessoa a se arrepender e crer, e visto que o homem pode rejeitar ou aceitar mais graça, sua salvação é dependente de sua fé em Cristo, não de um decreto eterno, e esta fé é uma atividade humana.


Em conclusão, então, a graça preveniente não só restringe o pecado no homem, mas eleva todo homem ao ponto da salvação. Ele pode, por esta graça, escolher maior graça que o guiará para a salvação, ou ele pode rejeitar a graça. Assim, a salvação é “pela graça por meio da fé,” e todo o plano é dom de Deus.

terça-feira, 10 de junho de 2008

O SEGREDO NÃO CONFESSADO DE PAULO

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Espinho na carne e carne no Espinho! Que problemão! Será?

Paulo disse que teve grandes visões e revelações espirituais—foi levado ao Paraíso e ouviu o que ninguém ouve e sabe contar—, e que por causa disso foi-lhe enviado da parte de Deus um mensageiro de Satanás para que o esbofeteasse, a fim de que o apóstolo não se ensoberbecesse com a grandeza das coisas que a ele estavam sendo reveladas.

Pediu a Deus três vezes para ficar livre daquele “espinho na carne”.
O Senhor, todavia, não o removeu, tendo apenas dito a Paulo “a minha Graça te basta, porque o poder se aperfeiçoa na fraqueza”.

Que espinho era esse?

Muita gente boa já fez considerações sobre o assunto. O espinho de Paulo já foi sua conjuntivite crônica, já foi a perseguição dos judaizantes, já foi o ter que trabalhar a fim de sustentar seu ministério, já foi o estilo calamitoso e desassossegado de vida que o acometeu, já foi a sua não aceitação pela Igreja de Jerusalém, já foi muita coisa...

No início da década de setenta, nos Estados Unidos, e depois na década de oitenta, no Brasil, o espinho de Paulo ganhou outro “diagnóstico”.

Li e ouvi pessoas tentando convencer o público do contrário. No auge da Teologia da Prosperidade, com seus líderes anunciando uma era na qual a fé rehma curava tudo e que quem não ficasse curado era porque não cria, o espinho de Paulo deixou de ser associado a qualquer forma de doença ou debilidade física ou financeira.

Paulo não podia mais ficar doente e só passava privações por deliberação própria. Gostava! Virara o super-homem de Friedrich Nietzsche. Nem o próprio Nietzsche acreditaria que Paulo se tornou o super-homem dos cristãos, superior ao super-homem de Zaratustra.

O fato é que Paulo, agora, não tinha mais permissão para adoecer. Seria falta de fé. Afinal, como poderia ele curar se estava doente?

Num mundo onde o poder é do homem, somente seres absolutamente sãos podem transmitir saúde. Afinal, o dom não é da Graça, mas uma virtude desenvolvida pelo super-homem.

Assim, o espinho na carne de Paulo deixou de ser qualquer coisa anteriormente relacionada a ele, tornando-se, assim, qualquer coisa, menos uma doença física—psicológica ou afetiva, nem pensar!—, mas não foi identificado como nada objetivo. Apenas se sabia que Paulo tinha um “espinho na carne”, mas não devia ser tão “importante”, pois Deus não quis removê-lo...

Até mesmo a afirmação apostólica de que o espinho tinha finalidades terapêuticas não foi mais levada em consideração.

Paulo ensoberbecer?

Jamais!—bradam os santos mais santos que Paulo.

E, assim, vão desespinhando a Paulo por uma única razão: Para nós a Graça não basta e o poder não se aperfeiçoa na fraqueza!

Essa “graça” só basta como confeito ao bolo de nossas próprias virtudes.

Essa “nossa graça” não gera humildade e dependência ao Senhor, mas arrogância e autonomia em relação a Deus.

Esse “poder” só se aperfeiçoa como status atribuído ao sucesso das virtudes da “fé” obstinada e que chega onde quer porque assim determina.

Esse “poder” gera seres malévolos e essa “fé” pode até colocar o individuo onde ele quer, mas não o põe onde Deus deseja.

Para que se entenda o que aconteceu a Paulo não se tem que saber o que aconteceu com ele—mas em sua vida interior.

E para sabermos do que se trata, basta que olhemos para nós mesmos. Boa parte do tempo que se gasta tentando saber informações históricas sobre o “espinho histórico” de Paulo, rouba-nos o tempo da viagem para dentro de nós mesmos, onde o fenômeno se repete, ainda que exteriormente ele tenha outra cara, talvez diferente da de Paulo.

Há três princípios que precisam ser entendidos a fim de que se compreenda acerca do que o apóstolo está falando.

1. O princípio das polaridades:

À toda virtude humana—se assim pudermos definir o que não nasce em nós, mas vem de Deus—corresponde um pólo desvirtuoso.
Assim, é a abundancia do pecado que faz superabundar a Graça.
Ou seja: é porque a mulher da noite escura havia se dado em muitos falsos amores—na vivencia de sua própria carência—, que agora ela ouve o elogio do Senhor dizendo que ela “muito ama”.
Tanto amor!

Mas e o que havia dentro dela?

Os produtos daquela mesma virtude já tinham tido cara de leviandade, promiscuidade e vagabundagem—para os expectadores, como o fariseu dono da casa.

Desse modo, sempre que se vir grandes virtudes pode-se saber que existe o equivalente polar dentro do mesmo ser.

Daí grandes “revelações” se fazerem acompanhar de “mensageiros de Satanás” a fim de equilibrar o bem em nós.

Não há em nós equilíbrio nem para se viver o bem absoluto.

Nada absoluto pode ser dado a um ser caído.

Corrompe-o.

Adoece-o.

O faz cair da Graça.

O único absoluto que não se corrompe num mundo caído é o Absoluto do amor de Deus.

Afinal, esse é o mundo caído. E nele muitas vezes é do abismo que somos catapultados aos céus mais elevados na Graça!

2. O principio da corruptibilidade de qualquer poder sem fraqueza:

Todo poder num mundo caído, corrompe—quanto mais todo-poder!
Não apenas o poder político, econômico, intelectual e cultural corrompem e se tornam instrumentos de controle e soberania, mas até mesmo as virtudes do poder ético, da moral, da santidade e da própria sabedoria—quanto mais a revelação!

Por isso é que todos os homens que manifestaram o poder de Deus na Bíblia tiveram que viver em fraqueza.

Poder de Deus sem fraqueza gera o diabo no ser. Transforma o “Querubim da Guarda” no “Acusador dos Irmãos”.

Para o bem da própria alma o ser tem que conhecer, sem poder realizar tudo o conhece; saber, sem atingir tudo o que discerniu; alcançar, sem poder dizer que chegou lá sozinho.

É assim que tem que ser num mundo caído!

3. O princípio da Graça só opera como Graça produtiva na fraqueza:

Sem que a Graça se manifesta na fraqueza, não é e nem há Graça. Pois, nesse caso, a virtude humana e a gloria, é de quem pensa que conseguiu por conta própria.

Para que a Graça cresça em nós nunca pode haver dúvida acerca de pelo menos duas coisas: a primeira é que “não vem de nós”; e segunda é que “não vem de nós para que ninguém se glorie”.

Então alguém pergunta: Por que?

Ora, digo eu: é que eu sou como eu sou e você é como você é!

Você poderia se imaginar como um ser todo-poderoso e, ainda assim, essencialmente bom?

Logo que algumas pequenas conquistas aparecem no horizonte mais banal—não importa se promoções ou se revelações—e o individuo já começa a mudar.

Chega ao ponto em que a pessoa já fala de si mesma como se fosse uma “terceira pessoa”, um ente diferenciado dele—como se eu só me referisse aos meus gostos como “o pastor Caio gosta disso”—e que passa a ser tratado como o santo do próprio “santo”.

É quando eu sou o santo de mim mesmo!

Poder nas mãos do homem tem que se fazer exercer com espinho na carne.

E Graça na vida humana tem que ser experimentada em fraqueza.

Do contrário, o ser se converte em diabo.

Assim, aprende-se que é melhor ter revelações e ainda assim ter que se conviver com o mensageiro de Satanás que nos esbofeteia, que ter apenas cogitação de poder humano e de sabedoria humana, sem qualquer espinho na carne!

E pior: sem também ter a satisfação de ouvir Jesus dizer: “A minha Graça te basta, pois o poder se aperfeiçoa na fraqueza”. Não se tem que achar o espinho, ele nos acha!

Não se tem que procurar a fraqueza, ela existe em nós!

Não se tem nem que falar no assunto, ele tem voz própria!

O segredo é aceitar o fato e não deixar de buscar conhecer todos os andares dos céus dos céus, sabendo que não é a minha virtude que me leva tão alto, mas a Graça que usou a minha fraqueza para revelar tanto, a quem antes de tudo já sabe que não tem do que se gloriar.

O espinho na carne de Paulo interessa muito pouco saber qual era. Interessa mesmo é saber que ele tinha que estar lá.

Rev.Caio Fabio

Texto extraído de http://www.caiofabio.com/novo/caiofabio/